Fazenda urbana de Cannabis em Olinda se prepara para atender demanda por remédios
Aliança Medicinal é a primeira fazenda urbana de Cannabis Sativa para fins medicinais do país
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A Aliança Medicinal, primeira fazenda urbana de Cannabis Sativa para fins medicinais do Brasil, está ampliando suas instalações em Olinda, Região Metropolitana do Recife, a fim de atender ao aumento da demanda por óleo medicinal. A edição 2024 do Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil, publicado pela Kaia Mind (empresa especialista neste mercado), revela que 672 mil pessoas fizeram tratamentos com derivados da Cannabis no país no ano passado. O número é considerado um recorde e é 56% maior do que o registrado em 2023.
O crescimento é acompanhado pela Aliança, que abre as portas para médicos interessados em informações técnicas para prescrever o medicamento que, a cada dia, é mais pedido pelos pacientes que estão mais informados e perdendo o preconceito contra a maconha, o nome popular da Cannabis sativa. “Conheci a Cannabis quando minha mãe teve câncer e eu ainda era estudante de medicina e passei a pesquisar a planta e entender seus benefícios, mas sofria discriminação dos próprios colegas. Hoje eles querem conhecer o processo da Aliança, que vai do cultivo à fabricação e distribuição do óleo, e suas inúmeras possibilidades para tratar doenças", revela a diretora-médica da Aliança Medicinal, Rafaela Espósito.
HISTÓRICO
Regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para cultivar a planta e produzir o óleo medicinal à base do THC (tetrahidrocanabinol) e do CBD (canabidiol), os fitocanabinoides mais conhecidos da Cannabis, a Aliança é fruto da batalha da sua presidente, Hélida Lacerda, que via seu filho Antonny sofrer até 80 convulsões por dia. Portador de epilepsia refratária e apraxia progressiva, aos 12 anos uma médica disse que ele teria só mais um ano de vida. “Comecei a cultivar a planta, em casa, e a produzir o óleo para salvar meu filho. Tinha medo de ser presa, mas o medo maior era de perder Antonny”, recorda Hélida. Hoje, nove anos depois, ele segue estável e passa meses sem crises graças ao tratamento com a cannabis. Que, embora tenha começado clandestinamente, foi autorizado pela justiça.
A partir daí Hélida passou a ensinar outras mães a cultivar e produzir o óleo medicinal e foi ganhando decisões judiciais favoráveis que contribuíram para a fundação da Aliança Medicinal, entidade sem fins lucrativos que atende nove mil associados em todo o Brasil.
Liminar garantiu atendimento social
Até chegar a este número, a entidade passou por processos jurídicos que resultaram numa liminar do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que lhe assegurou o direito de cultivar, manipular, fabricar, armazenar, transportar e dispensar o medicamento extraído da Cannabis sativa. Ou seja, toda a cadeia produtiva.
Por não visar lucro, os produtos são vendidos a preço de custo, ficando muito mais baratos do que os importados e assegurando o acesso às pessoas que não podem arcar com os custos ainda muito altos do tratamento. Nas versões CBD, THC e misto (CBD+THC) os preços variam de acordo com a concentração do princípio ativo: R$150 (1,5%), R$ 260 (3%) e R$ 390 (6%). Existe ainda uma versão CBD com concentração de 10%, ao custo de R$ 500.
Com a liminar, as pesquisas do engenheiro agrônomo e diretor executivo da Aliança Medicinal, Ricardo Hazin, para produção agrícola em contêineres climatizados encontraram mais uma motivação: produzir cannabis para atender pessoas que não tinham acesso ao óleo medicinal. E foi assim que a associação de pacientes evoluiu entrando no segmento econômico do Terceiro Setor.
Inovação agronômica
A especialização de Ricardo Hazin na Green Flower, escola dos Estados Estados Unidos especializada no cultivo da Cannabis sativa, foi essencial para a criação do método de produção da Cannabis desenvolvido por ele na Aliança Medicinal. Para o cultivo, foram escolhidas apenas plantas fêmeas, evitando cruzamentos que possam comprometer o padrão de qualidade da matéria-prima.
“A reprodução é feita por clonagem, a partir de um material vegetal que fica 25 dias no ‘bercário, o primeiro contêiner, para desenvolver o sistema radicular e virar uma muda. Depois ela é transplantada para o contêiner de desenvolvimento e passa por dois estágios: crescimento vegetativo e floração, onde se desenvolvem os tricomas, pequenas glândulas que parecem gotículas e concentram os canabinoides e substâncias medicinais necessárias para a produção dos medicamentos no nosso laboratório”, explica o engenheiro agrônomo.
Para isso acontecer, os contêineres são climatizados e dotados de sistemas que controlam o fotoperíodo e intensidade luminosa, temperatura, umidade e circulação do ar, além de uma solução de nutrientes. O resultado é a simulação do ambiente ideal para obter plantas com a qualidade exigida na produção de medicamentos. “Já temos a patente da produção de cannabis em contêineres que se transformam num equipamento plug and play (conecte e use), que pode ser levado e operado em qualquer local”, adianta Hazin.
Evolução legal garante acesso pelo SUS
A criação de um marco legal em Pernambuco com a Lei 18.757/2024, sancionada em dezembro pela Assembleia Legislativa do Estado, garantiu o fornecimento dos medicamentos derivados de Cannabis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ampliando o acesso aos tratamentos – ainda muito caros para a maioria da população com medicamentos que, de acordo com a médica Rafaela Espósito, praticamente não possuem efeitos colaterais e não causam dependência, como muita gente imagina.
Neste início de 2025, começaram os reinvestimentos na ampliação e reforma do galpão, e na construção de um novo laboratório para atender as novas demandas. “Em dois anos, vamos passar dos dez para 36 contêineres de cultivo e aumentar nossa capacidade de produção mensal de cerca de 2 mil frascos de óleo medicinal para 15 mil frascos, ou até mais, dependendo da demanda”, prevê Ricardo Hazin.
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