Chef de cozinha morre dentro de hospital após horas de sangramento sem atendimento
Paloma Alves Moura, de 46 anos, passou o dia inteiro com hemorragia no Hospital e Maternidade Tricentenário, em Olinda

O caixão de Paloma Alves Moura desceu à terra, nesta sexta-feira (10), no Cemitério de Santo Amaro, no Recife, sob o sol cruel de um meio-dia. Tinham lhe tirado a vida — não com arma, nem veneno —, mas com o silêncio. Com a espera. (Veja matéria da TV abaixo, feita por Rafaella Pimentel)
Paloma tinha 46 anos. Era chef de cozinha, dessas que transformavam o cotidiano em banquete e acreditavam que o tempero curava o mundo. Morreu como morrem os esquecidos: dentro de um hospital, pedindo ajuda e não sendo ouvida.
A chef morreu sem atendimento, como se estivesse no meio da rua. Dentro de uma unidade de saúde, sangrou “como um bicho”, segundo as amigas. Ensopou três lençóis de sangue, mas era invisível.
Horas de dor, nenhuma resposta

Paloma chegou ao Hospital e Maternidade Tricentenário, em Olinda, com fortes dores no útero e sangramento intenso na última quarta-feira pela manhã. Sangrou por horas até à noite, até o corpo não aguentar mais. Por ela, passavam médicos que diziam que ela precisava de Beta (exame de gravidez), alguns deconfiavam de aborto.
“Ela não está grávida, ela tem endometriose”, eu dizia, segundo contou Thaís Leal. “Mesmo se fosse gravidez ou aborto, a pessoa não tem o direito de fazer isso com um ser humano, não dá pra pessoa ficar sangrando como um bicho, entendeu, e ela ficou, ela pedindo socorro, gritando, por favor, alguém me ajuda”
As amigas Thaíse Olinda Aguiar, que a acompanharam o caso de perto, dizem que o atendimento foi sendo adiado, hora após hora, sob a justificativa de que os médicos “estavam realizando partos”.
Enquanto isso, o sangue escorria. A vida se esvaía. O relógio marcava o compasso da negligência.
“Ela foi ficando fraca, muito pálida. A gente pedia ajuda e nada. Diziam que era só esperar. Que já iam chamar alguém”, contou uma das amigas, em pranto. “Estou desnorteada, disse Thaís.
À noite, depois de um dia inteiro de dor e descaso, Paloma teve uma parada cardíaca e morreu.

A morte que nasceu da omissão
Paloma morreu dentro de um hospital. E, talvez, esse seja o fato mais obsceno. Não foi a hemorragia que matou primeiro, foi o abandono.
Entre os familiares e amigos, a revolta se mistura à tristeza. Há um sentimento de humilhação entre os que a conheciam. Paloma foi vista com desconfiança — como se houvesse culpa em seu ventre, como se fosse uma mulher a ser punida. “Ela morreu por tortura, sangrando até o fim e pedindo socorro”. No final, a prova da injustiça moral: não era gravidez, não era aborto.
A chef de cozinha só pode ser enterrada no segundo dia após sua morte. O laudo médico apontou hemorragia ovariana e anemia como causas da morte de Paloma. Até o momento, o Tricentenário não enviou resposta ao Tribuna Online PE.
A resposta do Hospital Tricentenário
Em nota oficial, o hospital negou todas as denúncias de descaso reveladas por amigas que estiveram ao lado de Paloma. Mas não disse a hora que fez os exames, após ela passar horas sangrando em cima de uma maca e com lençóis cobertos de sangue, registrados em vídeos enviados à TV Tribuna PE. Disse, inclusive, que pediu a transferência da mulher, o que não ocorreu. Ela morreu na mesma unidade onde foi internada. As manobras cardiorespiratórias foram feitas à noite, horas depois de ela dar entrada no hospital. Os familiares falaram sobre o laudo. O hospital informou ainda não haver conclusões definitivas quanto à causa da morte.
Veja nota na íntegra
O Hospital do Tricentenário informa que uma paciente de 43 anos deu entrada na quarta (08), na Emergência Obstétrica, informando na admissão que tinha histórico de sangramento há cerca de 15 dias e miomatose uterina. Após avaliação médica com especialista, foi internada, medicada e com a realização de exames, foi constatada queda acentuada da hemoglobina.
Diante do quadro, foi solicitada a transferência para uma unidade de maior complexidade, porém, a paciente apresentou piora clínica e quadro de instabilidade, evoluindo para parada cardiorrespiratória. Foi transferida para leito de UTI do próprio Hospital e aos cuidados da equipe foram realizadas manobras, mas óbito foi confirmado por volta das 19h.
O corpo foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), cujo laudo, recebido hoje (10), não apresentou conclusões definitivas quanto à causa da morte.
Veja matéria completa de Rafaella Pimentel no JT1, da TV Tribuna PE/Band
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