As marteladas que mudaram o mundo: a História por trás da Reforma Protestante
Data é considerada como centelha que mudou a história da cristandade e o poder político
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Era um dia comum em Wittenberg, uma pequena cidade da Alemanha. O céu nublado, típico do outono europeu, refletia um clima de inquietação entre os poucos que passavam pela Igreja do Castelo. Naquela manhã de 31 de outubro de 1517, um homem de porte sério, rosto focado e uma calma surpreendente nas mãos, dirigiu-se até a entrada do templo com um propósito claro.
Martinho Lutero, monge agostiniano e professor de teologia, carregava consigo um pergaminho — 95 teses que, para ele, revelavam as falhas e abusos de uma igreja que deveria cuidar das almas, mas parecia mais interessada em riquezas e poder.
Ele se aproximou das grandes portas da igreja, onde professores e estudantes universitários costumavam afixar debates e discussões. Ali, bateu seus pregos no pergaminho e, com um último olhar firme para as palavras que havia escrito, virou-se e foi embora.
O barulho das marteladas se dissipou pela praça, mas os ecos daquele ato silencioso reverberariam por todo o continente.
As ideias de Lutero, embora fundamentadas em profundas reflexões teológicas, tinham algo de instigante e ousado. Ele questionava o comércio das indulgências, um sistema lucrativo que prometia o perdão dos pecados em troca de dinheiro, prática que gerava lucros exorbitantes para a Igreja Católica.
Para ele, a salvação não podia ser comprada, mas vinha pela fé e pela graça divina — algo que ele expressava claramente nas teses afixadas. "A fé, somente a fé", afirmava ele, seria suficiente para aproximar cada indivíduo de Deus.
Imprensa de Gutemberg permitiu que ideias de Lutero se espalhacem pelo mundo
Naquela época, a imprensa de Gutemberg — uma inovação tecnológica recente — permitia que ideias se espalhassem como nunca antes. E foi exatamente o que aconteceu com as 95 Teses.
Em pouco tempo, cópias do documento de Lutero chegaram a outras cidades alemãs, cruzaram fronteiras, alcançaram outras línguas. Sua mensagem ressoava como um chamado à reforma em diversos corações e mentes, despertando em muitos o desejo de mudanças profundas.
Mudança que completa pouco mais de 500 anos
Aquelas ideias lançaram as bases para o que se tornaria a Reforma Protestante, um movimento que transformaria não apenas a religião, mas toda a estrutura social, política e econômica da Europa.
Lutero talvez não imaginasse, mas seu ato impulsionou um novo entendimento da fé, que valorizava a leitura direta das Escrituras e a relação pessoal com Deus, livre de intermediários. Termos como Sola Scriptura (Somente a Escritura), Sola Fide (Somente a Fé) e Sola Gratia (Somente a Graça) tornaram-se o coração de uma nova fé.
Hoje, mais de cinco séculos depois, 31 de outubro é celebrado em igrejas protestantes ao redor do mundo como o Dia da Reforma. Nas igrejas da Alemanha, nos templos dos Estados Unidos, em pequenas congregações na América Latina e em tantos outros lugares, fiéis se reúnem para lembrar o impacto das ações de um monge que, com fé e coragem, transformou o cristianismo.
Reflexão e liberdade espiritual marcou gerações
Lutero deu início a um caminho de reflexão e liberdade espiritual que marcou gerações e deixou um legado de questionamento e fé viva — uma história que ainda pulsa e inspira, tal como naquele dia em Wittenberg, quando um homem e um pergaminho desencadearam uma das maiores revoluções da história.
Em Pernambuco, a Catedral da Reconciliação falou sobre o tema. Segundo Dom Ivan Rocha, dentre tantos ensinamentos e debates, Lutero e os demais reformadores questionaram a religião medieval e propuseram a participação responsável dos fiéis na vida e na direção das igrejas.
Para além das questões religiosas propriamente ditas, a reforma valorizou o trabalho e contribuiu para o fortalecimento de noções como liberdade, democracia e solidariedade social.
“Na nossa igreja vemos o reflexo da reforma quando apontamos para uma ênfase nas Escrituras; a centralidade de Cristo; a salvação pela graça mediante a fé; e quando anunciamos que a Igreja mais do que uma instituição e sim a reunião do povo de Deus, afirmando o sacerdócio universal”, acrescentou Dom Ivan por meio das redes sociais.
Ele lembra que a reforma ocorreu há pouco mais de 500 anos, tem exatamente 507 anos. “Não cremos que a reforma rompeu a IGREJA, mas apenas a ajustou; e que novos ajustes precisam ser feitos continuamente”
Em 2020, uma pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que 31% da população brasileira se identificava como evangélica, um aumento que solidificou a presença desse grupo no cenário político nacional.
Essa mudança demográfica tem se mostrado influente nas decisões e na dinâmica política do país, refletindo a crescente importância dos evangélicos na sociedade brasileira.
Os reflexos da Reforma Protestante no Brasil
No Brasil, a interação entre católicos e protestantes é caracterizada por uma convivência tensa e competitiva. Apesar de os católicos continuarem a representar uma parcela significativa da população, os protestantes, especialmente os evangélicos, têm registrado um crescimento notável nas últimas décadas, emergindo como uma força política e social relevante.
Crescimento dos evangélicos
Cerca de 30% da população brasileira se identifica como evangélica, conforme indicam dados do Censo e pesquisas recentes. Essa ampliação da presença evangélica se reflete na esfera política, onde líderes religiosos têm conquistado cargos eletivos e exercido influência em decisões que envolvem moralidade, educação e direitos humanos.
Contudo, essa influência não é isenta de críticas, já que muitos questionam se as visões conservadoras promovidas por esses líderes realmente representam a diversidade da sociedade brasileira.
Relação na política
No cenário político, a parceria entre católicos e evangélicos tem se tornado mais comum, especialmente durante as eleições. Ambos os grupos frequentemente se unem em torno de temas como a defesa da família, moralidade pública e a oposição a pautas como o aborto e a ideologia de gênero.
No entanto, essa união é frágil e frequentemente expõe divergências profundas, especialmente em questões doutrinárias e sociais.
Conflitos e divergências
As tensões entre católicos e protestantes são evidentes em debates públicos, como nas discussões sobre educação religiosa nas escolas e a laicidade do Estado. Os católicos, que por muito tempo dominaram o panorama religioso, enfrentam um cenário desafiador diante do aumento da diversidade religiosa.
Enquanto isso, os evangélicos, especialmente os neopentecostais, buscam cada vez mais afirmar sua identidade e ampliar sua influência no espaço político. Esse embate revela não apenas uma luta pelo poder religioso, mas também um reflexo das mudanças sociais e culturais que estão moldando o Brasil contemporâneo.
As polêmicas envolvendo evangélicos na política brasileira têm ganhado destaque nas últimas décadas, refletindo a crescente influência desse grupo na cena política.
Um dos pontos centrais de controvérsia é a atuação de líderes religiosos, que frequentemente ocupam cargos eletivos e buscam implementar agendas conservadoras, especialmente em questões sociais como aborto e direitos LGBTQIA+.
Essa presença se intensificou com a ascensão de figuras como Jair Bolsonaro, que angariou apoio significativo entre os evangélicos durante sua campanha presidencial em 2018.
O desafio de manter o estado laico e as polêmicas
A relação entre religião e política no Brasil também provoca debates sobre a laicidade do Estado, com muitos críticos argumentando que a imposição de valores religiosos em legislações fere o princípio da separação entre Igreja e Estado.
Além disso, os conflitos internos entre diferentes denominações evangélicas e católicas expõem divisões que, por vezes, se traduzem em rivalidades políticas.
Outra polêmica diz respeito ao financiamento de campanhas eleitorais por igrejas e instituições religiosas, levantando questões sobre a transparência e a ética na política. A influência evangélica é notável em pautas como educação, com discussões sobre a inclusão de ensino religioso nas escolas públicas.
A crescente presença evangélica na política está moldando o Brasil contemporâneo de maneiras que desafiam as tradições e os valores estabelecidos.
Neopetencostais se identificam como negros e pardos
As polêmicas envolvendo evangélicos na política brasileira revelam um cenário complexo, onde igrejas conservadoras se tornaram em nascedouros de lideranças de extrema direita. Mas também repleto de esperança e transformação.
Nas favelas e áreas vulneráveis, as igrejas evangélicas muitas vezes se tornam centros de apoio e solidariedade, uma visão vista por acadêmicos da área. Elas oferecem não apenas serviços religiosos, mas também assistência social, educação, e oportunidades de desenvolvimento pessoal.
É fundamental destacar que, conforme o último censo demográfico, 57% dos pentecostais no Brasil se identificam como negros (pretos e pardos), enquanto 41% são brancos. Isso significa que o pentecostalismo é predominantemente uma religião de negros no país, mesmo que apenas 15% da população negra brasileira se declare pentecostal.
Estado laico existe?
"Quem defende um estado laico ideal, supra histórico, fundado exclusivamente numa racionalidade também ideal e que, em função disso, gostaria de ver a religião alijada dos debates públicos, acaba promovendo o oposto daquilo que defende: a exclusão política de grandes contingentes da população", diz o professor Edin Sued Abumanssur, especialista em Sociologia da Religião no programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da PUC/SP
Esses espaços de acolhimento promovem a inclusão social e o fortalecimento da comunidade, ajudando a construir uma rede de apoio fundamental em contextos onde o Estado muitas vezes falha em atender às necessidades básicas.
Assim, mesmo diante dos desafios políticos, a presença das igrejas nas periferias se destaca como um farol de esperança. Elas são um testemunho do poder da fé e da solidariedade, capazes de unir pessoas em torno de causas sociais, promovendo mudanças positivas na vida daqueles que mais precisam.
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