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Entrevistas Especiais

“Pela cor da pele, muitos não me veem como médica”


Mulher, preta, baixinha, de cabelo cacheado e humilde. Assim se descreve a médica dermatologista Elisabeth Lima. Apesar de carregar três décadas de experiência profissional, ela diz: “Muitos pacientes não me veem como médica”.

Imagem ilustrativa da imagem “Pela cor da pele, muitos não me veem como médica”
Médica Elisabeth Lima diz que a inclusão social precisa continuar acontecendo |  Foto: Rodrigo Gavini

“Quando o paciente me diz que achava que eu era loira, ele está dizendo que meu lugar não é aqui. Ser mulher agrava a situação do não reconhecimento”, relata. “Neste lugar de médico, o normal é homem branco, alto e magro. Mas o mundo está mudando.”

Filha de um caminhoneiro e de uma costureira, a médica lutou contra as desigualdades sociorraciais e se formou médica pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em uma turma em que só tinha mais uma colega preta.

“A minha família viu como prioridade o estudo, como uma possibilidade de ascender socialmente. Tive muita dificuldade quando mudei da escola pública para a particular. Não é justo que as diferenças nas escolas continuem assim”, defende.

Hoje Elisabeth Lima é empresária, dermatologista sócio titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia e preceptora (professora orientadora) da residência médica no Hospital das Clínicas.

A Tribuna – Quem você é e qual o lugar que você ocupa?

Elizabeth Lima – Sou mulher, preta, baixinha, de cabelo cacheado e humilde. Muitos pacientes não me veem como médica pela cor da minha pele. Eles acham que a minha funcionária, que é branca, é a médica e eu sou a enfermeira.

O fato de ser mulher agrava a situação do não reconhecimento do meu lugar enquanto médica. O meu filho também é médico e com ele acontece bem menos. As pessoas olham para ele, um homem grande e encorpado, e conseguem vê-lo como médico.

Como percebe que as pessoas não te veem no seu lugar?

Tem situações que são veladas e outras nem tanto. Quando um paciente diz para mim que achava que eu era loira, ele está dizendo que meu lugar não é aqui. Que esse lugar de médica deveria ser ocupado por uma branca.

O racismo fica evidente quando o paciente não quer nem se sentar no consultório de tão irritado que fica quando vê que sou preta. E na saída rasga a receita e joga no lixo.

Essas coisas não acontecem todos os dias, mas elas acontecem porque essas pessoas entendem que este não é o meu lugar. Aqui, neste lugar, o normal é homem branco, alto e magro. Mas o mundo está mudando.

Suas experiências influenciaram na postura diante do preconceito?

A minha criação foi de ficar quieta e apenas escutar. O meu pai falava para não reagir porque as coisas sempre dão errado para o preto, que sempre sobra para nós.

Nas últimas décadas houve uma mudança de paradigma em todos os sentidos que tive que vivenciar. Hoje eu já não me calo mais. Temos que abordar esse tema para que os mais novos que assim como eu vem de uma trajetória pobre, humilde e negra saibam que podem chegar aonde quiserem.

Temos políticas públicas que não são maravilhosas, mas que criaram um cenário melhor do que vivi na minha época de estudos.

O que motivou a mudança?

Teve uma situação há uns 15 anos. Fui ao Rio de Janeiro no prédio de uma amiga que era muito rica. Eu entrei com ela no prédio e, no dia seguinte, quando saí, ela não estava junto.

Estava procurando alguém para me orientar onde era a saída e fui abordada pelo segurança de forma grosseira. Falei que era visitante.

Ele me levou para uma sala cheia de câmeras, perguntou quando eu cheguei, com quem e ligou para a minha amiga. Foi quando acordei para o que tinha acontecido e me senti humilhada.

Teve outra situação no aeroporto de Dallas, nos EUA. Estava sentada esperando o avião quando um casal me ordenou sentar em outro lugar. Eu só me levantei e fui para o banheiro chorar.

Nessa hora eu disse “chega”. Comprei livros sobre a temática e decidi me tornar uma voz que fala do que viveu para que as pessoas entendam que racismo existe sim!

Se negam a me atender quando vou comprar roupa. Quando peço para olhar algo, dizem “não, isso é caro” e mesmo eu dizendo que tudo bem, que quero o caro mesmo, insistem em dizer não porque acham que não tenho condições de pagar. É desgastante!

Quais foram seus maiores desafios na sua trajetória?

As oportunidades sempre chegavam para mim porque meus pais, com toda a desigualdade social em que vivíamos, criaram facilidades. Tive de escolher entre estudar e ter festa. Sempre estudei.

A minha família viu como prioridade o estudo, como uma possibilidade de ascender socialmente. A escola é local que transforma e diminui a diferença social.

Tive muita dificuldade quando mudei da escola pública para a particular. Eu era a primeira da turma na pública. Na privada, tive nota insuficiente. Meus pais tiveram que pagar professores particulares, pois eu estava em desvantagem. Não é justo que as diferenças nas escolas continuem assim.

Os obstáculos me informaram que eu não sou “cauda” (que fica por trás) e sim “cabeça”. Quero dizer para a pessoa de pele preta que você pode ser o que quiser. É preciso acreditar e encontrar a política pública adequada. A inclusão social precisa continuar acontecendo.

Qual a participação da sua família na sua trajetória?

Me emociono ao falar, pois é a história de uma família que chegou aonde queria. Meu pai era um caminhoneiro iletrado e minha mãe estudou até o 4º ano do primário. Ela tinha o sonho de ser alguém na vida e viveu esse sonho através dos filhos.

Eu sou médica, minha irmã é farmacêutica e meu irmão doutor pela UFRJ, professor concursado e está no caminho do pós-doc.

A minha história começa com a mãe da minha mãe, filha de portugueses, que fugiu com um escravo da fazenda. O pai a renegou e a mãe a deu um camafeu (joia que simboliza poder e grandeza), que veio de geração em geração até a minha mão.

Essa é uma história de uma mulher branca e forte que rompeu com o preconceito há muitos anos, então por que não eu também?

Quando decidiu ser médica?

Meu pediatra era encantador e alegre. Ele perguntava o que eu seria quando crescer e eu dizia “médica”. Nunca deixou de ser verdade. Passei no vestibular para Medicina na Ufes. Eu e mais uma colega éramos as únicas alunas pretas, na turma de 1990. Quando meu filho se formou médico, eram ele e apenas mais três. Em 30 anos, pouco mudou.

Com a carreira estabelecida, quais os seus propósitos agora?

Recentemente me tornei empresária, sócia de uma clínica. Quero implantar em Vitória um centro de tratamento de doenças inflamatórias dermatológicas no mercado privado, algo que falta aqui.

Hoje me deparo com pacientes que recebem tratamento inadequado há 7, 8 ou até 33 anos para doenças imunológicas raras porque falta um centro desses aqui.
 


QUEM É ELISABETH LIMA


  • Médica pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
  • Especialista em dermatologia pela Ufes, é sócia-titular Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
  • Preceptora (professora) da residência médica no Hospital das Clínicas (Hucam-Ufes).
  • Filha de um caminhoneiro e de uma costureira, ela se formou médica pela Ufes, em uma turma em que só tinha mais uma colega negra.
  • Dermatologista sócia-proprietária da clínica Imunomed.

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