Risco de prisão tira Putin da reunião dos Brics na África do Sul
O constrangimento endossa o simbolismo do pedido de prisão, mas também dará munição para a Rússia manter seu discurso de que há perseguição
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A ordem de prisão emitida em março pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) contra Vladimir Putin causou o primeiro grande constrangimento internacional ao presidente russo. A África do Sul anunciou que, em comum acordo com o Kremlin, ele não irá participar da reunião dos Brics no país no mês que vem.
A Rússia será representada no evento, que terá presença prevista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pelo chanceler do país, Serguei Lavrov, o decano da diplomacia internacional, no cargo desde 2004.
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É o fim de uma longa novela. O bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul já tinha sua reunião de cúpula marcada para o país africano antes da decisão do TPI, e Pretória vinha manobrando para tentar permitir a presença de Putin.
O problema é que a África do Sul é signatária do tratado que criou o TPI, logo por lei internacional precisa cumprir ordens da corte. E ela decidiu pela prisão de Putin devido à acusação de deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.
O Kremlin nega a acusação, considerando a ordem o resultado de pressão do Ocidente para constranger o líder russo devido à oposição dos países liderados pelos Estados Unidos à invasão da Ucrânia, ocorrida em fevereiro do ano passado.
A questão é controversa. Segundo a ONU, há cerca de 1,2 milhão de refugiados ucranianos na Rússia. Boa parte deles começou a chegar antes da guerra, vindos dos territórios que desde 2014 estavam em mãos de separatistas pró-Kremlin, num conflito civil estimulado pelo Kremlin para manter Kiev longe das estruturas ocidentais, como a Otan (aliança militar) e a União Europeia (bloco político).
Segundo disse no começo do mês o chefe do comitê internacional do Conselho da Federação (o Senado russo), Grigori Karazin, há cerca de 700 mil crianças ucranianas no país mas ele não estabeleceu qual o período de tempo da chegada delas. A acusação da ONU é específica sobre o período pós-invasão, para caracterizar crime de guerra.
No fim de maio, a África do Sul havia dito que concederia imunidade a todos os líderes do Brics para a reunião de agosto, garantindo assim a segurança de Putin. Mas a pressão sobre Pretória continuou, inclusive internamente.
Não seria, contudo, a primeira vez que os sul-africanos aliviavam a situação de um acusado no TPI. Em 2015, o governo local permitiu a entrada no país de Omar al-Bashir, o ditador sudanês acusado de crimes de guerra contra sua população pela corte que forma com Putin e o líbio Muammar Gaddafi (morto em 2011) o grupo de líderes em exercício que foram processados pela corte.
Houve especulações de que a reunião poderia ser movida para a China, principal aliada de Putin e que não reconhece o TPI e convidou o russo para visitar o país ainda neste ano. No Brics, só a África do Sul e o Brasil integram o grupo de 123 nações signatárias do Estatuto de Roma, que criou o tribunal. Mas Pretória insistiu em sediar o encontro.
A Aliança Democrática, maior partido de oposição no país africano, foi à Justiça para tentar forçar o governo a cumprir a ordem de prisão caso Putin viesse para a reunião. O presidente Cyril Ramaphosa, que havia sido acusado de fornecer armas secretamente para a Rússia pelos EUA, enviou uma explicação para a corte, que foi tornada pública na terça (18), gerando grande polêmica no país.
"A África do Sul tem problemas óbvios com a execução do pedido de prisão e entrega do presidente Putin. A Rússia deixou claro que prender um presidente em exercício seria uma declaração de guerra. Seria inconsistente com nossa Constituição arriscar uma guerra com a Rússia", afirmou.
Ante o barulho político, aparentemente as partes concordaram que o melhor seria a ausência de Putin. Nesta terça, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou que seu país tenha feito a ameaça de guerra. Isso havia sido dito, publicamente, pelo ex-presidente Dmitri Medvedev, que sugeriu inclusive bombardear o prédio do TPI na Holanda caso Putin fosse preso.
O constrangimento endossa o simbolismo do pedido de prisão, mas também dará munição para a Rússia manter seu discurso de que há uma perseguição política estimulada pelo Ocidente, ao menos para seu público. Isso porque o TPI não é reconhecido pelos Estados Unidos ou pela Ucrânia, para começar.
A acusação contra Putin é de difícil comprovação, ao contrário do caso mais famoso processado na corte internacional, do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, que acabou morrendo durante o julgamento pelo amplamente documentado genocídio de muçulmanos na guerra civil bósnia. A criação de um tribunal específico para a Ucrânia, nos moldes do da ex-Iugoslávia, sofre resistências.
Para o Brasil, é o proverbial bode tirado da sala. Como signatário do Estatuto de Roma, o país teoricamente deveria prender Putin caso o russo pisasse em seu solo. Mas a posição brasileira, desde a crise que desaguou na guerra, é de neutralidade crítica - condenou a invasão na ONU ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), que esteve em Moscou uma semana antes da agressão, mas ele não aderiu a sanções contra Putin.
Lula manteve e reforçou, sempre que pôde, a posição. Enviou para Moscou seu assessor internacional Celso Amorim depois que Putin foi indiciado pelo TPI. Recebeu críticas diretas da Ucrânia e de países europeus, e baixou o tom de seu esforço para apresentar-se como um mediador para a solução do conflito após isso.
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