Pescaria deixa Reino Unido e França em pé de guerra
Países travam disputa pelo direito de pescar em águas territoriais britânicas, no Canal da Mancha, e tensão fica elevada após o Brexit
De quem são os peixes que o Reino Unido e a França disputam, afinal? A queda de braço entre os vizinhos separados pelo Canal da Mancha segue na conta do Brexit – a saída dos britânicos da União Europeia.
A nova burocracia que, desde janeiro, dita as regras da relação deu origem a desentendimentos. E a confusão sobre o direito de pesca levou a tensão a ponto de ebulição.
Pelo menos no discurso. Teve ameaça por parte da França de cortar a luz que é levada por cabos submarinos do continente à ilha britânica de Jersey e até a mobilização de navios da Real Marinha Britânica, mantidos em prontidão para a eventual necessidade de interceptar pesqueiros franceses.
A questão técnica parece clara. Agora, para pescar em águas territoriais britânicas, os europeus precisam de licenças emitidas pelas autoridades do Reino Unido. E vice-versa.
O documento só é concedido a quem provar que já atuava na área entre fevereiro de 2017 e janeiro do ano passado, o que não é fácil, principalmente para pequenos pesqueiros.
Sem um acordo que agilize a burocracia, o que se vê são entregas atrasadas, peixes estragando nos portos, prateleiras vazias em supermercados e até a falência de empresas, sobretudo familiares.
Na semana passada, em vez de malas de passageiros, saíram em uma das esteiras do Terminal 5 do aeroporto de Heathrow dezenas de caixas de peixes congelados.
A pendenga afeta a qualidade do produto, que tem pouco tempo para ir do mar à mesa. Viajar de avião pode ser mais rápido (e caro).
Em janeiro deste ano, em um discurso no Parlamento que entrou para o anedotário político, o conservador Jacob Rees-Mogg, líder da Câmara dos Comuns, afirmou que os “os peixes estavam melhor e mais felizes” porque “agora são britânicos”.
Ele respondia ao líder do Partido Nacional Escocês, Tommy Sheppard, que falou em “desastre da pesca” do Brexit e pediu que os pescadores na Escócia fossem compensados. Por enquanto, comunidades de um lado e outro do canal estão sendo afetadas.
Saiba mais
Peixes da família real
A disputa pelas águas territoriais não é nova. Há séculos Reino Unido e França brigam pelo direito de explorar os recursos marítimos.
Curiosamente, pela lei em vigor desde 1324 no Reino Unido, baleias, golfinhos e esturjões que circulam nos mares do reino a uma distância de até cinco quilômetros da costa pertencem a ninguém menos do que à rainha Elizabeth II.
Em 2004, um pescador que fisgou um esturjão de quase três metros, nas proximidades do País de Gales, teve de pedir autorização à monarca para vendê-lo.
Guerra do Bacalhau
No anos 1950 e 1970, o Reino Unido se viu num papel inverso, quando a Islândia suspendeu um acordo antigo e excluiu os pescadores britânicos de suas águas territoriais.
No auge da chamada Guerra do Bacalhau, uma fragata da Marinha real chegou a colidir com uma canhoneira islandesa.
Limites
No século XVIII, chegou-se a um entendimento sobre o que seriam os limites das águas territoriais europeias: três milhas da costa, mais ou menos o alcance de uma bala de canhão.
Mais tarde, no século XX, quando os armamentos ficaram muito mais potentes, o assunto voltou às mesas de negociação. A bala de canhão já não era mais parâmetro. E os peixes perderam o peso quando são comparados à exploração de minerais, como o petróleo.
Acertou-se, em um acordo nas Nações Unidas, que o limite passaria a 200 milhas. Alguns países como os Estados Unidos, contudo, nunca ratificaram a Convenção sobre o Direito do Mar.
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