'Medidas não atacam o que será uma explosão dos preços', diz economista
Argentina começa a conviver com o choque econômico do novo governo
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As medidas de choque de Javier Milei para estabilizar a economia argentina foram vistas como insuficientes e trazem mais dúvidas do que respostas sobre o futuro do país, segundo Fabio Rodríguez, economista da Universidade de Buenos Aires (UBA). Para Rodríguez, elas dão corpo às promessas de ajuste fiscal, mas trazem um diagnóstico incompleto de como resolver os problemas sociais que podem desencadear.
Como interpretar a alta desvalorização do peso?
Minha impressão é que ele começou a dar cara e nome ao ajuste fiscal. Mas fica muito aquém de um plano de estabilização. É um ajuste fiscal para eliminar o déficit, que foi apresentado no início como a raiz de todos os problemas da Argentina. Isso me parece um diagnóstico incompleto e, portanto, uma proposta que não chamo de programa, nem de plano. Fala-se muito em equilibrar as contas públicas, mas falta um plano para lidar com a inflação. Quando você corrige em 100% a taxa de câmbio oficial, você faz uma jogada muito arriscada pela inflação que ela pode desencadear. Duas ou três das medidas anunciadas têm um componente inflacionário, como a eliminação de subsídios. Milei anunciou que os próximos três ou quatro meses serão os piores que já tivemos, e há muito perigo nisso, porque não há nenhuma medida que ataque justamente o que será uma explosão desse índice. Não tem nenhuma compensação para que não haja uma explosão de um conflito social ou para reduzir o risco da perda de governabilidade. Tem apenas duas medidas de aumento em apenas dois programas sociais, mas não tem uma palavra sobre o que vai acontecer com os aposentados ou como os salários serão atualizados.
O governo pretende manter e aumentar os programas sociais, mas diz que 'não há dinheiro'. Como ele fará para mantê-los?
Isso era algo que ele já dizia que manteria, que o único caixa aberto seria o do Ministério do Capital Humano. Ele dizia que herdou toda a parte das medidas sociais. Há dois programas muito pontuais: o benefício único por filho (AUH, na sigla em espanhol), que duplicará seu valor, e o Cartão Alimentação, que terá um aumento de 50%. É importante entender que existem duas vias de assistência social: uma é direta, que a pessoa recebe o valor em seu cartão ou poupança, e são essas que terão aumento. Na outra modalidade, com mediação, outros programas serão congelados. Nesse modelo há intermediação de grupos sociais. A mensagem do novo governo é: 'Vamos eliminar a intermediação'. Por isso, esse plano ficará congelado, porque ele não chega diretamente ao beneficiário.
Por que não houve medida para unificar os câmbios?
Faltam muitas definições, e essa é uma delas. Em termos de mercado cambial, as explicações ficaram muito aquém, porque nem foram estabelecidas quantas serão as taxas. Ele disse que quem vai pagar é o exportador, que vai cobrar 800 pesos (por dólar), mas ele vai ter de pagar retenções que não foram informadas, e o importador vai pagar um imposto adicional que também não foi informado.
As medidas vão ajudar Milei a conquistar a confiança de investidores e atrair dólares?
Não. Um primeiro passo seria explicar como ele pretende evitar o déficit. Isso é uma etapa ou parte de um processo que tem de ser muito mais amplo do que um programa que diga como vamos estabilizar a inflação, e isso tem outros componentes que não são só fiscais, mas são monetários, cambiais e de renda. Nessas três últimas partes não houve anúncio e nem explicação.
Qual o impacto da redução de transferências para as províncias?
Esse dinheiro as províncias usam para projetos ligados a saúde e educação, para construir escolas, por exemplo. Então, é um golpe. Para piorar, a restrição de exportações tornará os produtos regionais menos competitivos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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