Chile: Kast arranca como favorito para segundo turno; Jara tenta conquistar votos de outsider
Embora a comunista Jeannette Jara tenha sido a candidata mais votada no primeiro turno das eleições no Chile, a disputa do domingo, 16, indica dois grandes protagonistas. Um deles é o conservador José Antonio Kast, que desponta como favorito para o segundo turno. O outro é a grande surpresa da noite, Franco Parisi, o terceiro candidato mais votado, com 19,7% da preferência popular.
O resultado do primeiro turno não foi surpreendente, mas a vantagem de apenas três pontos porcentuais de Jara para Kast, bem como a possível união dos candidatos de direita em torno do conservador, indicam um cenário complicado para a candidata governista.
Os demais candidatos da esquerda - Marco Enríquez-Ominami, Eduardo Artés e talvez Harold Mayne-Nicholls - juntos, tiveram pouco mais de 3% dos votos, o que agregará pouco a Jeannette Jara.
Sua maior chance de ser competitiva no segundo turno são os mais de 2,5 milhões de eleitores que votaram em Parisi, um populista que se coloca como outsider no cenário político chileno. Obter esse apoio, no entanto, será um trabalho árduo.
Direita favorita
Para Kast o cenário é amplamente favorável. Mal havia terminado a contagem de votos, a candidata da direita tradicional Evelyn Matthei já estava em cima do palco do Partido Republicano, declarando total apoio a Kast. O libertário Johannes Kaiser também foi rápido para declarar seu apoio.
Kaiser obteve 13,9% e Matthei 12,5%. Se a maioria dos eleitores da dupla migrarem para o conservador, ele chegará perto dos 50% dos votos que precisa para vencer o segundo turno.
Quase todo o eleitorado de Kaiser e Matthei vai votar por Kast porque jamais votariam em uma candidata do Partido Comunista como a Jara. Não só por ela ser de esquerda, mas também porque dão muita importância ao fato de ela ser do Partido Comunista", explica a cientista política pela Pontifícia Universidade Católica do Chile Federica Sanchez Staniak.
"Esta eleição serviu para medir a força de cada uma das divisões da direita dentro da própria direita", observa Daniela Campo Letelier, professora da Universidade Andrés Bello e membro da Red de Politólogas. "A direita não realizou uma eleição primária, ao contrário da coalizão governista, então não se sabia como seriam seus resultados."
Apesar disso, a posição de Jara não é inédita à esquerda chilena. O mesmo aconteceu com o atual presidente Gabriel Boric em 2021, quando ele chegou até a perder o primeiro turno para Kast, tinha pouco espaço de crescimento, mas venceu no segundo turno. O problema de Jara agora é o forte anticomunismo que existe no país.
"Apesar de pertencer à ala mais moderada do Partido Comunista e de suas tentativas de se distanciar do rótulo de membro do Partido Comunista ao longo da campanha, a candidata à vaga permanece, até hoje, uma militante do partido", sinaliza Federica Sanchez Staniak.
A ex-presidente Michelle Bachelet também chegou a ir ao segundo turno em 2013 em um contexto em que a esquerda estava unida em torno de sua candidatura, enquanto a direita aparecia mais fragmentada. Porém, a ex-presidente vinha de um espectro político moderado dentro esquerda, o que facilitou seu crescimento eleitoral posterior.
Daniela Campo Letelier aponta que sem dúvidas Jeannette Jara crescerá em votos no segundo turno, a dúvida é se isso será suficiente para superar os votos praticamente já garantidos que Kast tem até o momento. "Temos que ver o que vai acontecer com os votos de Parisi".
A surpresa Parisi
Franco Parisi repetiu o terceiro lugar que obteve nas últimas duas eleições, mas com uma quantidade de votos muito maior que nas disputas anteriores. Antes da abertura das urnas, as pesquisas de intenção de votos o colocavam em quinto lugar.
Parisi é o candidato "antissistema" e captura o voto de "cansaço" dos chilenos, o que é um voto muito menos ideológico e mais imprevisível.
O próprio candidato se define como "Ni facho ni comunacho" (Nem facho nem comuna, na tradução livre) e não declarou ainda voto a nenhum dos dois candidatos vencedores. Disse que seus eleitores são livres e ele aguarda os acenos de ambos neste segundo turno.
"Tenho más notícias para o candidato Kast e para a candidata Jara: conquistem os votos, conquistem as ruas", declarou Parisi.
Nas eleições de 2021, ele só declarou apoio a Kast um dia antes do segundo turno e só após fazer um plebiscito interno em seu partido.
"Meu chute é que os votos dele vão pro Kast porque é muito difícil que um voto anti-establishment vá para candidata do governo, por mais que ela diga que não é candidata do governo", pontua a professora da PUC-Rio Talita Tanscheit.
Outro fator que pode equilibrar a disputa é o fato de esta ter sido foi a primeira eleição presidencial em mais de uma década que contou com voto obrigatório. Um estudo conduzido pela Universidade do Desenvolvimento analisou que mais de 5 milhões de chilenos deixavam de votar quando o voto não era obrigatório.
Esse eleitor costumava ser jovem, a maioria homens, de classe média baixa e que não confia nas instituições públicas. Parisi pode ter abocanhado muito desse eleitor.
"Os 19% do Parisi são votos muito mais orgânicos, fluídos e imprevisíveis", define a professora da Universidade Andrés Bello. "Ele não faz parte da divisão direita-esquerda e não faz parte do establishment."
Já em seu discurso pós-resultados, Jeannette Jara fez fortes acenos a Franco Parisi, prometendo incorporar parte de suas promessas em sua agenda de governo, como a proposta de reembolso de impostos sobre medicamentos. Ela também fez sinais semelhantes a outros candidatos.
"É o que ela pode fazer no momento. Achei uma estratégia inteligente, mas em termos matemáticos, a não ser que aconteça algo muito excepcional, ela não tem muito além disso que fazer para ganhar os votos", completa Tanscheit.
O novo Congresso
A direita também ganhou as eleições legislativas, que ontem renovaram todas as 155 vagas da Câmara de Deputados e 23 dos 50 assentos no Senado.
Na Câmara, caso o cenário que se configura para o segundo turno seja mantido, a direita ficará a dois deputados da maioria simples.
Os partidos de Kast e Kaiser, que disputaram a eleição legislativa coligados, terão 42 deputados. Caso se aliem à coalizão de Matthei, que elegeu 34, formarão a maior bancada da Câmara, com 76 assentos.
Parisi elegeu 14 deputados, mas ainda não se comprometeu com nenhum dos dois candidatos e será decisiva na maioria das votações, estando no governo ou na oposição.
Já no Senado, o cenário é mais complexo. O desempenho da coalizão de Kast e Kaiser foi inferior ao da Câmara. Com apenas sete cadeiras, chegará à metade dos assentos, caso se alie a Matthei, que tem 18 senadores. A esquerda, com 20, é a maior bancada de oposição, seguida por três senadores verdes e dois independentes.
Se contar com o apoio de Parisi, Kast, deve avançar com sua agenda de reformas na Câmara, mas deve enfrentar mais dificuldades no Senado.
O candidato da direita planeja avançar com mudanças na previdência, na área fiscal, trabalhista, mas sua prioridade com certeza será a área de segurança, o grande tema dessas eleições.
Caso Jara seja eleita, sua vida no Congresso seria mais difícil até do que foi para Gabriel Boric. "O Congresso se deslocou ainda mais para a direita, porque há mais representação da direita radical, enquanto antes era mais concentrada na direita tradicional. Então, acho que seria uma batalha muito árdua para Jara governar", analisa Federica Sanchez Staniak
Comentários