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Cidades

“Fui doméstica, morei na rua e hoje sou juíza”, disse juíza, mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania


Dificuldades e superação. Essas palavras resumem a história da juíza Antonia Marina Aparecida de Paula Faleiros, de 57 anos, que atua na 1ª Vara Criminal de Lauro de Freitas, na Bahia.

Imagem ilustrativa da imagem “Fui doméstica, morei na rua e hoje sou juíza”, disse juíza, mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania
Hoje juíza, Antonia Faleiros conta que estudou para concurso com folhas de apostilas que eram jogadas no lixo. Eram cinco vagas para oficial de Justiça e ela passou em terceiro lugar: “Isso representou um marco para mim porque me garantiu um lugar para comer e dormir” |  Foto: Divulgação

“Fui doméstica, morei na rua e hoje sou juíza”, afirma. Natural de Serra Azul de Minas, em Minas Gerais, Antonia também sofreu preconceitos e estudou por apostilas encontradas no lixo.

Mesmo tendo vencido por meio de seus esforços, ela não prega a meritocracia. Antonia reforça que o caminho para os mais necessitados é, sim, mais difícil.

“É muito mais fácil estudar quando você tem o que comer. Quando a pessoa não tem o que comer, o estudo para ela é mais difícil, da mesma forma se ela não tem onde dormir ou não tem livros”, afirma.

A Tribuna – Como foi a sua infância? Teve a oportunidade de estudar?
Antonia Marina Faleiros – Nasci na zona rural e vim ao mundo pelas mãos de uma parteira. Sou a primeira filha de um trabalhador braçal e uma dona de casa, e depois tive mais cinco irmãos.

Foi uma infância de extrema restrição material, e hoje eu tenho essa percepção, embora na época eu não tivesse. Não tinha noção das dificuldades que meus pais passavam para colocar comida em casa. Trabalhamos desde pequenos, ajudando nos trabalhos da casa, até começar a trabalhar para contribuir para o sustento da casa.

Tive uma infância bem parecida com uma grande parcela da população. Mas com uma família muito preocupada, atenta e com vínculos fortes.

Fui alfabetizada pela minha mãe, porque morávamos na zona rural, e depois nos mudamos, quando tinha oito anos, para a área urbana, onde fiz o ensino primário e concluí o ensino fundamental.

A Tribuna – Quando surgiu o desejo de ser juíza?
Antonia Marina Faleiros – Eu não tinha nem noção que existia essa figura de juiz, e menos ainda que fosse possível eu ocupar um cargo desse. Sempre dou o exemplo de que nossos horizontes são delimitados pelos nossos pontos de observação.

Em um primeiro momento, o meu sonho era ser alfabetizada e ir para a escola. Quando cheguei na quarta série, queria o ensino fundamental completo. E assim por diante. Após o ensino médio é que comecei a vislumbrar uma faculdade, mas ainda não era uma faculdade de Direito.

A Tribuna – Por quê?
Antonia Marina Faleiros – Na minha cabeça, naquela época, cursos de Direito e Medicina, que dizíamos ser curso que formavam “doutores”, não eram para mim. Não me via nesses cursos. Só depois de ter feito um concurso para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais é que eu comecei a pensar na faculdade de Direito.

A Tribuna – Foi na sua cidade que conseguiu cursar a faculdade?
Antonia Marina Faleiros – Após o ensino médio, para fazer um curso superior, eu tive de me mudar para a capital, porque poucas cidades do interior tinham faculdades.

Constatei que não teria oportunidades na minha região e teria de voltar aos mesmos trabalhos de doméstica , de lavar roupas e na lavoura, então me mudei.

Neste processo de mudança, eu fui para Belo Horizonte e comecei a trabalhar como doméstica, já que não tinha experiência em outras áreas. Também havia uma restrição, que alguns cargos exigiam e chamavam de boa aparência e, supostamente, eu não tinha.

A Tribuna – O que falavam para você?
Antonia Marina Faleiros – As recrutadoras até me diziam que eu falava direitinho e me comunicava bem, mas não tinha a aparência e o perfil compatível com o que eles procuravam.

Eu sabia que elas estavam falando de exclusão pela cor e meu tipo físico. Na época, eu não conseguia entender, eu pensava: “eu estou de banho tomado e o cabelo penteado”. Achava que estava adequada.

Os parentes donos da casa que eu estava passando um tempo não me quiseram mais. Então pedi à minha patroa para que eu pudesse dormir na casa dela e ela disse que não gostava de empregada em casa. Na primeira noite que eu havia sido dispensada da casa dos parentes, quando cheguei ao ponto de ônibus, eu não tinha mais casa para voltar, e assim foi durante quase sete meses.

A Tribuna – E como conseguiu passar no concurso?

Imagem ilustrativa da imagem “Fui doméstica, morei na rua e hoje sou juíza”, disse juíza, mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania
Antonia Faleiros durante atuação como juíza: “Sempre tive a preocupação de não dar desgosto para meus pais” |  Foto: Reprodução/Vídeo
Antonia Marina Faleiros – Eu não planejei passar as noites na rua. Eu sempre tinha esperança que era a última noite e no dia seguinte teria uma casa. Foi durante esse processo, procurando um emprego, que vi no jornal sobre o concurso no Tribunal de Justiça.

As provas exigiam Português, Matemática e noções de Direito. Eu sempre fui boa aluna, mas não sabia nada de Direito. Tentei comprar as apostilas do cursinho, mas o dinheiro que ganhava não dava para bancar.

Fiquei sem jeito, mas fiquei sentada no cursinho vendo as pessoas e enquanto isso vi uma pessoa da secretaria descartando algumas folhas da apostila. Eu consegui pegar a folha.

Essa pessoa fez o bem sem saber a quem. Depois de um certo período, eu desconfio que ela tenha notado que eu estava buscando as folhas, porque o descarte era de folhas borradas, e elas passaram a ser lançadas em um lixo seco.

Com essas folhas, passei um tempo estudando na rua e onde trabalhava. Fui recebida na casa de uma conhecida e logo depois passei na prova. Eram cinco vagas e eu fiquei em terceiro lugar, passei para Oficial de Justiça.

Depois disso, fiz um cursinho e passei de primeira na faculdade de Direito. Os demais concursos vieram como consequência, até chegar a juíza. Mas digo que a emoção do primeiro concurso, para oficial de Justiça, representou um marco para mim porque me garantiu um lugar para comer e dormir.

A Tribuna – O que te impulsionava?
Antonia Marina Faleiros – Acho que era um pouco de raiva (risos). Diferencio a raiva do ódio. O ódio é destrutivo, mas a raiva pode te impulsionar. Eu também tinha vontade de dar alegria para meus pais. Mas digo que a raiva impulsiona, porque quando terminei o ensino médio, aconteceu um evento bem traumático.

Surgiu um concurso para um banco na minha cidade e descobri que minha prova nem foi corrigida. A conversa que rolou é que as pessoas que foram trabalhar naquela agência já tinham sido escolhidas. Isso me impulsionou e sempre tive a preocupação de não dar desgosto para meus pais. Não poderia envergonhá-los.

A Tribuna – Acredita que todos podem alcançar os sonhos?
Antonia Marina Faleiros – Eu acredito que as pessoas podem lutar e conseguir vencer obstáculos com as ferramentas que têm. Mas faço questão de registrar que esse não é um conceito de meritocracia.

As pessoas não podem se acomodar, porque o tempo passará de qualquer forma, com ou sem a luta. Eu acredito na força interior. Que cada um é senhor do seu destino. Agora, que a pessoa vai atingir os mesmo patamares das outras pessoas bem nascidas socialmente, vai uma distância muito grande.


QUEM É


Antonia Marina Faleiros
> É juíza da 1ª vara Criminal de Lauro de Freitas, na Bahia.
> Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, é mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania pela Universidade Federal da Bahia (2016).
> Também é pós-graduada em Estudos de Política e Estratégia e em Direito Eleitoral.
> Já trabalhou em um canavial, foi empregada doméstica, dormiu na rua e, recentemente, lançou o livro “Retalhos: colcha de histórias para Mel dormir”.

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