Lamine Yamal tropeça em polêmicas, mas tem tempo para não se tornar garoto problema
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Lamine Yamal é o novo camisa 10 do Barcelona, como foram Messi e Ronaldinho Gaúcho, mas, quando seu nome é citado, ainda reverberam as polêmicas de sua festa de aniversário. O jogador contratou pessoas com nanismo para entretenimento durante a celebração, e uma denúncia da Associação de Pessoas com Acondroplasia e Outras Displasias Esqueléticas (ADEE) chegou ao Ministério Público da Espanha.
“Eu trabalho para o Barcelona, mas quando estou fora do centro de treinamento, aproveito minha vida”, afirmou o jogador de 18 anos após assinar novo contrato com o clube e ser questionado sobre a festa. Seu pai também se manifestou em defesa.
Organizadores da festa e ao menos um artista com nanismo contratado defenderam o evento. Alegaram que os participantes foram bem tratados, satisfeitos com seu trabalho e que não houve ridicularização.
Yamal tem recebido muitas críticas desde que celebrou o aniversário. Assim como o caso das pessoas com nanismo, a temática ‘gangster’, estampada até nos adornos do bolo, com detalhes como armas e cartuchos de balas, gerou incomodo.
“Casos como esse do Yamal exigem não apenas uma resposta, mas uma resposta inteligente, sensível e dentro de um contexto. O silêncio absoluto pode ser interpretado como indiferença e a impulsividade pode tornar a situação ainda pior”, comenta Fabrício Ramos, fundador da 94 Marketing & Football, agência que cuida da carreira de Estêvão, ex-Palmeiras e atual jogador do Chelsea.
De acordo com Ramos, frente a situações como a atravessada pelo astro espanhol, o melhor a se fazer é adotar atitudes conectadas a pilares como reconhecimento, responsabilidade e resposta rápida.
“Mesmo que não tenha havido má fé ou má intenção, é importante entender que há responsabilidade pública envolvida. Assumir que aprendeu é um sinal de maturidade, nunca de fraqueza”, comenta.
“A velocidade importa, mas o conteúdo é ainda mais importante. Precisa ser bem construído, com tom humano, responsável e sem rodeios. Pode ser por meio de nota oficial, vídeo ou até um texto pessoal em redes sociais, desde que genuíno. Não é sobre ‘limpar a imagem’, mas sim reparar a percepção e abrir espaço para diálogo e evolução, conclui.
Limitar-se a um pedido de desculpas pode ser algo vazio de significado em tempos de notas oficiais e retratações nas redes sociais. Por isso, Ramos destaca a importância de que o atleta tenha compromisso com ações concretas.
“O pedido de desculpas pode ser o ponto de partida, mas ações práticas fortalecem a mensagem. Estabelecer diálogo com organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, participar de iniciativas educativas ou até se engajar em campanhas contra o capacitismo pode mostrar que houve aprendizado verdadeiro. E isso repercute de forma positiva, inclusive na imagem de longo prazo.”
Antes da festa polêmica, Yamal já havia recebido outras críticas por seu comportamento, embora em doses menores. Quando conquistou a Copa do Rei com o Barcelona, dirigiu-se, vestido com dois óculos de sol, ao Rei Felipe VI e o cumprimentou de maneira informal. A postura foi criticada por nomes como o ex-volante alemão Dietmar Hamann.
“Um rei nao deixa de o ser onde quer que esteja, mas convenhamos, o ambiente do estádio, da entrega de um troféu, é um ambiente de celebração dos atletas, e informalidade por parte desses, especialmente adolescentes; se não é adequada, não deve ser tratada como uma desonra ou desrespeito. Podemos encarar os Reis de uma forma diferente hoje, de maior interação com os demais”, opina Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa de entretenimento norte-americana que gerencia a carreira de Endrick e outros atletas.
Comentários sobre Yamal são feitos a todo momento na imprensa espanhola, seja por assuntos de dentro ou fora do campo, o que evidencia a superexposição da qual é alvo.
Jornalistas e ex-jogadores espanhóis, como Álvaro Benito, Kiko Narváez, Rafa Alkorta e Raúl Ruiz, participaram de um debate na rádio Cadena SER para tratar da festa e apontaram que o problema vai além da festa. Seria um caso de exposição precoce, ostentação e falta de orientação adequada para um jovem de 18 anos que já convive com gigantesca visibilidade pública.
Em março deste, o técnico da seleção espanhola Luis de la Fuente já havia alertado para o risco da superexposição midiática: “Vocês são os primeiros que vão matá-lo”, disse, em referência à pressão intensa e aos constantes julgamentos sobre Yamal.
Em um mundo no qual jogadores de futebol costumam ser vistos como mimados e superprotegidos, condenar qualquer tropeço de um jovem atleta não se mostra o melhor caminho para que ele se torne o oposto do que se considera o padrão. Cada vez mais, são celebridades precoces, ao mesmo tempo em que naturalmente exibem comportamentos comuns à idade.
“Um jovem de 16, 17 ou 18 anos ainda está em processo de formação emocional, social e intelectual. É inevitável que ele cometa erros. O papel da equipe que o cerca não é “blindar” ou “moldar” artificialmente sua imagem, mas sim ajudá-lo a entender o impacto da sua voz no mundo. Humanizar, acolher e educar, sem tentar robotizar. Outro direcionamento é construir consciência, não controle. Mais do que criar um personagem “perfeito” para agradar marcas e público, é preciso formar um atleta consciente do seu papel como um formador de opinião e ídolo", opina Fabrício Ramos.
“Não adianta só dizer o que “não pode fazer”, é preciso explicar o porquê, trazer contextos, estimular empatia e desenvolver consciência. Além de transformar erros em aprendizados públicos, porque errar é parte do caminho. O que não pode é ignorar o erro ou tratá-lo apenas como um “risco de imagem”. Quando há um tropeço, seja em postura, falas ou comportamentos, o ideal é que o atleta assuma, reflita e mostre sua evolução. Isso gera identificação com o público, respeito das marcas e credibilidade."
Endrick e Estêvão, principais astros adolescentes do futebol brasileiro, são dois nomes cujas equipes de gestão de carreira tomam cuidados especiais. Para Ramos, que trabalha com Estêvão, isso tem de ser feito por preservação, mas sem tirar a autenticidade dos jovens talentos.
“Esse é um dos riscos mais perigosos no processo de gestão de imagem de jovens talentos. O excesso de controle pode transformar o atleta em um personagem artificial e isso tem consequências sérias. O atleta precisa ter direcionamento, mas nunca perder a sua essência.
" As pessoas, especialmente as novas gerações, se conectam com quem é real, com quem mostra suas contradições, sua essência, seus erros e acertos e quando um jovem precisa “atuar” o tempo todo, sem poder ser ele mesmo, isso pode gerar pressão psicológica. Ele passa a viver com medo de errar, de decepcionar, de sair do “script”. E isso pode afetar não só sua imagem, mas também sua saúde mental e, em muitos casos, até sua performance dentro de campo."
Até mesmo para o lado comercial da relação e da preocupação em manter uma imagem interessante para as marcas, faz mais sentido que as personalidades não sejam reprimidas.
“Uma imagem construída com rigidez e controle extremo pode até parecer “segura” no curto prazo, mas ela se torna vulnerável ao menor deslize. Basta um tropeço fora do planejado para tudo parecer incoerente”, diz Ramos. “A autenticidade bem gerida é um diferencial poderoso. Se ele for verdadeiro, consciente e em crescimento, ele vai se conectar com as pessoas e com as marcas certas. Além de sustentar uma carreira muito mais sólida e admirada por todos”,conclui.
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