Como o STJD chegou à pena de R$ 100 mil para Bruno Henrique
Caso serviu também para um reforço do coro por uma atualização no CBJD
Com seis dos nove votos possíveis, o Pleno do STJD aplicou uma multa de R$ 100 mil ao atacante Bruno Henrique, do Flamengo. O entendimento de que ele cometeu uma infração foi unânime, mas o caminho do tribunal foi rumo a uma pena bem mais branda do que se desenhou inicialmente.
A argumentação que prevaleceu no julgamento reformou a decisão de primeira instância (12 jogos de suspensão e R$ 60 mil de multa) e passou pelas seguintes situações:
- O papel do Flamengo no caso/no cartão amarelo
- A comparação com punições e condutas anteriores relacionadas à manipulação
- Insatisfação com uma legislação defasada
- O que diz o regulamento da CBF sobre informações privilegiadas
- Menção a Lucas Paquetá
O ponto de partida foi o voto do relator, Sérgio Furtado Coelho, ainda na segunda-feira, antes do pedido de vista feito pelo auditor Marco Aurélio Choy.
Ali, foi inaugurado o entendimento de que não seria possível enquadrar Bruno Henrique nos dois artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) em que fora inicialmente enquadrado:
243: Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.
243-A: Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida.
Furtado Coelho entendeu que não ficou provada a intenção de Bruno Henrique em nenhuma das duas hipóteses.
Choy foi um dos que levaram mais tempo votando na continuação do julgamento. Ele fez menção a uma tabela comparativa entre os condenados nos casos de manipulação descobertos pela operação Penalidade Máxima, em 2023. Aí, traçou um paralelo com os fatos e provas do caso Bruno Henrique.
Quais as condutas? Houve aliciamento de jogadores, recebimento de vantagem financeira, comprovantes bancários, confissão/delação, prejuízo à equipe e conversas de Whatsapp? Para o auditor, o caso Bruno Henrique só teve resposta positiva no último item.
Um dos condenados na leva anterior de manipulação foi o meia-atacante Thonny Anderson, então no ABC: levou multa de R$ 40 mil.
E O FLAMENGO?
A postura do Flamengo de vir ao julgamento e dizer deliberadamente que orientou Bruno Henrique a tomar cartão contra o Santos, em 2023, para que ele ficasse suspenso contra o Fortaleza convenceu a maioria dos auditores.
Foram apenas dois votos que ignoraram esse ponto como decisivo, pedindo, então, a condenação no artigo 243. Mas, em geral, a linha de defesa do clube "colou".
Nesse contexto, o presidente do STJD, Luís Otávio Veríssimo Teixeira, disse: "O que não pode é o atleta tomar decisão à revelia e comunicar o mercado a respeito disso".
Como lidar com a informação privilegiada, então? Os seis votos convergiram para enquadrar Bruno Henrique por causa do desrespeito ao artigo 103 do Regulamento Geral de Competições da CBF.
"A CBF, de forma complementar, a exercer sua competência normativa, previu um texto que não tem dúvida nenhuma e compreende a melhor adequação da conduta. Nenhum texto sintetiza melhor: 'Compartilhar informação sensível, privilegiada ou interna que possa assegurar uma vantagem injusta e acarretar a obtenção de algum ganho ou seu uso para fins de aposta'", afirmou o presidente do STJD.
E para punir desrespeito de regulamento, vem o artigo 191 do CBJD. A multa de R$ 100 mil é a pena máxima no artigo.
A LEGISLAÇÃO VAI SER ATUALIZADA?
O caso Bruno Henrique serviu também para um reforço do coro por uma atualização no CBJD. O documento é de 2009, bem anterior à onda moderna de site de apostas e a regulamentação da atividade em solo brasileiro.
"Estou absolutamente tranquilo quanto ao acerto desta decisão (de multa), que não se curva a qualquer pressão externa, aos tribunais das redes e nem ao calor da indignação das pessoas. A conduta é grave, antiética e penso que temos que sair deste julgamento com alguma reflexão moral. Na minha visão, o CBJD envelheceu e precisa ser reformulado. Apesar de não poder haver condenação no 243 e 243-A, a gente precisa refletir acerca da reformulação do CBJD", afirmou o auditor Rodrigo Aiache, um dos seis que formaram a maioria.
E A MENÇÃO A PAQUETÁ?
O presidente do STJD estava acompanhando o desenrolar do caso Paquetá, investigado ao longo de dois anos pela Federação Inglesa. Ao fim das contas, o meia brasileiro foi absolvido da acusação mais grave de manipulação.
"Muito se falou que na Penalidade Máxima se adotou um entendimento que nesta sexta-feira (14) poderia ser revisto ou atualizado. Mas eu destaco uma decisão de 14 de agosto de 2025, da Federação Inglesa. Portanto, há dois meses. O jogador foi absolvido. Houve uma multa por colaboração ou não no caso. E ele foi absolvido categoricamente por ter apenas compartilhado informações quentes, privilegiadas", disse Teixeira, ainda emendando:
Se é relevante ou não o compartilhamento de informação, e eu entendo que é, o fato é que não é relevante para aplicação de suspensão da atividade do atleta no âmbito do futebol.
Quem divergiu saiu com a preocupação de que aplicação de multa tenha aberto um precedente perigoso no futebol brasileiro.
"Peço que reflitam para que a gente tome muito cuidado que esse caso não seja um salvo-conduto para condutas desse tipo. E pior: para condutas muito piores, como as da Penalidade Máxima", disse o auditor Luiz Felipe Bulus, um dos votos vencidos no julgamento.
COMO FORAM OS VOTOS
Sérgio Furtado Coelho Filho (relator) - multa de R$ 100 mil (art. 191)
Marco Aurélio Choy - multa de R$ 100 mil (art. 191)
Maxwell Borges Vieira - 270 dias e multa de R$ 75 mil (art 243)
Luiz Felipe Bulus - 12 partidas (art 243-A)
Rodrigo Aiache - multa de R$ 100 mil (art. 191)
Antonieta Silva Pinto - multa de R$ 100 mil (art. 191)
Mariana Barreiras - 270 dias e multa de R$ 75 mil (art 243)
Marcelo Bellizze - multa de R$ 100 mil (art. 191)
Luís Otávio Veríssimo Teixeira (presidente) - multa de R$ 100 mil (art. 191)
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