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Entrevistas Especiais

“Viver preocupado com o que não temos adoece”, afirma psicóloga

De acordo com a especialista, na maioria dos casos, isso acontece por causa de uma cobrança interna em excesso


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Imagem ilustrativa da imagem “Viver preocupado com o que não temos adoece”, afirma psicóloga
Marcella Cacciari afirma que a gratidão traz a pessoa para o presente |  Foto: Lucas Paixão/Divulgação

Sonhar com futuras conquistas profissionais e pessoais é um processo natural para todo ser humano, mas, quando isso começa a ser motivo de preocupação no dia a dia, pode causar diferentes transtornos emocionais.

Na maioria dos casos, isso acontece por causa de uma cobrança interna em excesso, conforme defende a psicóloga e doutora em Psicologia Marcella Bastos Cacciari. “Viver preocupado com o que ainda não temos adoece”, frisa.

De acordo com ela, esse hábito é uma expressão da ansiedade e, nesse sentido, pode afetar o bem-estar. Por isso, é preciso criar um equilíbrio entre o que as pessoas planejam para o futuro e o que elas já possuem, no presente, para conseguir alcançar a felicidade.   

A Tribuna – Como surge a preocupação exagerada com as coisas que não temos?

Marcella Cacciari –  Vivemos em uma sociedade que nos cobra para sermos bons em tudo, em nível pessoal ou profissional. Atualmente, temos que sempre “performar” para as redes sociais, romantizando até momentos de estresse e dor, como no parto, por exemplo.

Essas coisas provocam uma pressão que nós mesmos acabamos internalizando. Acabamos sendo os nossos próprios carrascos. Mas, muitas vezes, também projetamos coisas no futuro para não cuidar do presente. Infelizmente, não é fácil refletir sobre os problemas que vivemos hoje e, por isso, é mais fácil se agarrar a uma realidade que ainda não existe.

Há uma demanda para que sejamos excelentes em tudo o que fazemos, e projetamos isso nos nossos planos. Pode não ser o seu chefe que está te cobrando, por exemplo, mas você mesmo.

Quais os sinais de que a autocobrança tem sido prejudicial?

Quando a pessoa começa a antecipar situações que ainda não estão certas e que, às vezes, até fogem da realidade. Ela passa a negligenciar alguns cuidados com a saúde, por gastar o tempo querendo sempre centralizar as questões do dia a dia. Ou seja, tudo precisa estar sob o seu comando.

Além disso, caso as situações fujam do controle dela, surge uma ansiedade desnecessária, pois começa a se culpar por algo que não está ao seu alcance.

Quais efeitos emocionais e físicos podem surgir disso?

O excesso de preocupação, em vez de nos dar mais energia, acaba sendo um retardatário. 

Não dá para a gente viver a nossa rotina sempre em alerta de que algo pode acontecer. O cansaço físico e mental vem exatamente dessa preocupação com o que pode dar  errado nos nossos planos. 

Dessa forma, ficamos cada vez mais vulneráveis ao desenvolvimento de vários quadros emocionais, como o transtorno de ansiedade, a depressão e a síndrome de burnout (doença que surge após o indivíduo passar por situações desgastantes de trabalho).

É possível diferenciar esse hábito de uma busca saudável pelas conquistas pessoais? 

Sim. Negativamente, você passa a ter importantes alterações na rotina. De forma geral, deixa de fazer coisas que antes eram prazerosas ou passa a ter dificuldade de expressar emoções. 

Também apresenta dificuldades em relação ao sono, seja por querer dormir demais, seja por insônia. Além disso, mostra alterações de apetite (muita ou pouca) e na forma de se comportar nos lugares que costumava frequentar.

Quando ela passa a ter essas alterações importantes, e que se prolongam por muito tempo, é hora de procurar um profissional.

Algum grupo de pessoas costuma ser mais afetado?

Entre os 25 e 45 anos de idade, as pessoas são mais vulneráveis à ideia (falsa, por sinal) de que só é possível conquistar felicidade se ela estiver atrelada ao status social, ao dinheiro e ao sucesso profissional. É um momento de vida em que queremos nos provar para o outro o tempo todo. 

Claro, o dinheiro vai ser necessário para se sustentar e realizar sonhos, mas precisamos entender que outras dimensões da nossa vida também precisam ser alimentadas, como as relações pessoais e as pequenas coisas do cotidiano. 

No dia a dia, viver com pressa também é sinal de alerta?

Estar com pressa o tempo todo é o suficiente para ligar a luz vermelha. Afinal, você está com pressa de quê? Quando pensamos na palavra “pressa”, a imagem mental que vem é alguém correndo, certo? Podemos fazer uma associação disso com a fuga. Você está fugindo de quê? Do que está vivendo no presente?

Hoje em dia, por causa do impacto da tecnologia, ficamos meio viciados em fazer e ter tudo com agilidade. Acabamos desaprendendo a lidar com as etapas dos processos da vida, que podem ser mais lentos. 

É comum atualmente vermos estudante saindo da graduação e já querendo o sucesso profissional, ou começar a trabalhar achando que vai ser promovido rapidamente. Esse imediatismo nos atrapalha a construir os processos naturais.

Mas o ideal é esquecer o futuro e focar no presente ou encontrar um equilíbrio?

Na verdade, seria procurar um equilíbrio entre passado, presente e futuro. Nós temos uma história no passado, mas ela ajuda a moldar a nossa vida presente e vai ajudar a explicar nossas ações no futuro. 

O ideal é que façamos um exercício de estarmos presentes, inteiros nas nossas tarefas e nos nossos relacionamentos.    

Como resolver esse problema de preocupação?

Vale a pena destacar três medidas que podem nos ajudar a colocar os pés e a mente no presente: a  apreciação da beleza, a gratidão e a atenção plena, ou o “mindfulness”, como é mais conhecido.

A apreciação da beleza nos convida a observar a vida com curiosidade, tomando  um tempo, por exemplo, com belas paisagens, boa música, obras de arte, belezas naturais e outros aspectos da vida que – além de nos ajudar a nos conectar com nós mesmos e com nossas necessidades – nos fazem sentir elevados e conectados a algo maior a nós. 

O sentimento de gratidão, por sua vez, pode nos ajudar – quando cultivado com honestidade – a apreciar aquilo que faz a nossa vida valer a pena e a valorizar aquilo que já conquistamos.

A atenção plena  é um convite a focar no momento presente, em movimentos naturais do corpo e  atividades simples, como: comer, caminhar, escovar os dentes, tomar banho, relaxar os músculos do corpo, entre outros. Pode nos ajudar a captar os detalhes das situações, como sabores, aromas, cores e texturas, o que ajuda a reter e a consolidar novas memórias.

E as pessoas que não possuem objetivos para o futuro? O que fazer?

No momento em que uma pessoa mentalmente saudável se projeta para o futuro, significa que ela tem esperanças. Mas, quando ela não tem sonhos ou planos, pode ser que esteja com uma baixa energia vital. Diante desses casos, que são graves, é preciso procurar um especialista da área (psicóloga, psiquiatra etc.).


PERFIL


Marcella Bastos Cacciari

  • É psicóloga formada pela Universidade de Vila Velha (UVV) e doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, com Doutorado na Universidade do Porto, em Portugal (2021).
  • Foi idealizadora do programa “Força Positiva”, fruto do convênio de estágio com a Polícia Militar do Espírito Santo.
  • Seus temas de interesse são: psicologia positiva, bem-estar, resiliência, autoestima, virtudes e forças de caráter.

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