Mauricio de Sousa: “Nada melhor que pais que leem para seus filhos”
Reportagem entrevistou o criador da Turma da Mônica, que dedicou a vida às revistas em quadrinhos e inspirou muitas gerações para a leitura
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Cada vez mais a leitura tem disputado espaço na rotina de crianças, adolescentes e adultos com muitas outras distrações. Mas, segundo o cartunista Mauricio de Sousa, o criador da Turma da Mônica, a leitura não deve ser apenas um hábito, tem que ser uma experiência.
Em entrevista exclusiva para o jornal A Tribuna, o escritor defende que a melhor forma de criar essa experiência é começar ainda na infância.
- A Tribuna – Você aprendeu a ler nas revistas em quadrinhos? Quais eram as usas preferidas?
- Mauricio de Sousa – Quando eu tinha de 4 para 5 anos, encontrei uma revista de quadrinhos caída no chão da rua. Estava toda rasgada, mas levei para casa e pedi à minha mãe para ler pra mim. Meus pais viram que eu gostei muito e começaram a me trazer mais revistas de quadrinhos.
Sempre pedia para minha mãe ler para mim, até que um dia ela me disse que precisava fazer o serviço da casa e que me ensinaria a ler. Em três meses eu aprendi.
Meus preferidos, já mais jovem, eram o Brucutu, Capitão Marvel, Dick Tracy, Spirit, Ferdinando, entre outros.
- Muitos adultos dizem que aprenderam a ler com os seus quadrinhos. Como se sente quando te dizem isso?
Esta é a minha medalha no peito. O estímulo à alfabetização e à leitura de crianças a partir dos 4, 5 anos é algo que me faz sentir com o dever cumprido nesta vida.
- O gibi e a sala de aula combinam?
Muito! Os professores vivem nos enviando desenhos das crianças e de como a utilização de nossas revistinhas na sala de aula funcionam como uma ferramenta ótima para o ensino. Uma história em quadrinhos pode ajudar em diversas áreas do ensino, como o Português, Geografia, Ciência, História e até Matemática.
Existem estudos de que crianças que leem quadrinhos conseguem ter uma absorção acima de 30% além das que não têm esse hábito. A leitura nos ensina a sermos mais detalhistas e concentrados.
- Por que acha que suas revistinhas atraem as crianças?
Atraímos crianças pela diversão e bom humor que as revistinhas trazem nas historinhas. Há uma identificação do leitor com os personagens, talvez porque criei a maioria baseada em pessoas reais.
Isso foi e sempre será uma constante, porque todo ser humano quer novidade e satisfação ao ler uma boa história.
- Cada vez mais, a leitura perde a vez para as telas. Em sua opinião, qual a importância da leitura na educação? Quais os prejuízos que isso pode ter nas próximas gerações?
Vejo diferente. A tecnologia veio para substituir muitos hábitos, mas mantenho leitores de revistas impressas há 60 anos porque o que faz as pessoas comprarem quadrinhos é o conteúdo.
Estamos em todas as plataformas de comunicação como exige a evolução, mas a leitura nos impressos ainda é grande. Mas todas as novas tecnologias podem ajudar a educação se também primarem pelo conteúdo.
- Como os gibis podem ajudar na missão de fazer com que a criança se encante pela leitura?
A leitura de quadrinhos tem uma mágica que envolve o leitor de tal forma que ele se torna um coautor. Quem dá voz, entonação aos personagens e até a complementação dos quadrinhos na imaginação ao ligar um ao outro é o leitor.
Respeita até o timing (tempo) de cada um, o que facilita o entendimento. Uma pessoa pode ler uma página em um minuto, ou em dois minutos se quiser curtir mais os desenhos. Acho que hoje em dia é a principal linguagem que estimula a leitura para as crianças.
- Quais as dicas que pode dar aos pais que querem que os filhos criem o hábito da leitura?
Algo que sempre funcionou e sempre vai funcionar. Nada melhor que pais que leem livros e quadrinhos para seus filhos, que começam lá com seus 2 ou 3 aninhos.
Essa experiência nunca será esquecida, e aquela criança, quando for adulta e tiver filhos, vai querer repetir porque sabe que é algo que envolve todos os sentimentos ao mesmo tempo.
O amor à leitura sempre traz de volta essas sensações e viajamos na história como se nossos pais estivessem lendo. Ah! isso será melhor ainda se avós, irmãos e tios também lerem para os pequenos.
- Muito se discute sobre o bullying, mas a Mônica e o Cebolinha batem e colocam apelidos um no outro. Como a Turma da Mônica pode trabalhar essa questão do bullying de uma forma positiva?
A turminha vive como crianças normais que se divertem, são curiosas, defendem seus sentimentos e são diferentes, apesar de viverem juntas. E por serem crianças normais, também brigam, mas sempre estão juntas e convivendo com carinho. Tanto que todos sabem que a briguinha entre Mônica e Cebolinha os liga tanto que os leitores já sabem que se gostam.
- Que recado deixa para pais e crianças capixabas fãs do seu trabalho?
Toda a turminha da Mônica adora o quanto recebem de cartas (hoje mais pela internet) falando de como curtem certas historinhas, ou porque tal personagem ajudou que algum amigo esquecesse uma briga, ou de como aprendeu a desenhar por causa da Turma da Mônica.
O bom de hoje em dia é que pelas redes sociais nós temos este contato diário como se fosse uma grande família, e é por aí que vou sabendo como podemos cada vez mais melhorar nossas criações.
No final de 2023 deve entrar nos cinemas a história do meu começo para aprender e ser um desenhista. Vocês vão ver que nada foi fácil, mas que fui atrás do que adorava fazer e consegui chegar até aqui.
E a atual coleção do Horácio, que saiu pela Editora Pipoca & Nanquim, mostra a sequência de minha criação, quando eu sozinho criava as histórias e as desenhava com uma pitadinha de minha personalidade no personagem verdinho. Eu sou um dinossaurinho até hoje.
Abraços para os leitores de A Tribuna e para todos capixabas.
Quem é
Mauricio de Sousa
- Cartunista e escritor.
- Filho de um casal de poetas.
- Membro da Academia Paulista de Letras.
- Em 1959, sua primeira tirinha foi publicada na imprensa e trazia suas primeiras personagens, o cão Bidu e Franjinha.
- São mais de 60 anos de trabalho. A Mauricio de Sousa Produções já publicou mais de 1 bilhão de revistas. O material também é exportado para cerca de 30 países.
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