“Não é legal ser exceção”, diz Iza
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Estar na estrada trabalhando fazia a carioca Iza, 30, esquecer seus problemas. Mas, na pandemia, ela precisou olhar para si mesma e “encarar seus monstros”.
“Chegou um momento que estava só eu em casa, sem unha, sem cílios postiços e aplique. Só eu e o espelho. E tive que olhar para mim e me ver com todas as minhas inseguranças. E foi muito importante para o meu álbum, porque, até conseguir me entender comigo mesma, eu não estava conseguindo compor, não estava conseguindo fazer nada. E agora está rolando! Estou feliz!”, comemora, durante coletiva virtual para divulgar o 1º single do novo disco, ainda em produção.
“Gueto” é fruto desse encontro de Iza consigo e com suas origens. Cria de Olaria, no Rio de Janeiro, ela celebra sua trajetória como uma mulher que cresceu no subúrbio carioca e que hoje tem grandes contratos e foi eleita pela revista Time como ícone da nova geração.
“Essa canção não é sobre ostentação, é sobre ocupação. É sobre ser a mina preta da Zona Norte, retinta, estampando vários comerciais, onde eu nunca tinha visto uma mina preta antes... Queria muito que as pessoas entendessem que não é legal ser exceção. É a primeira vez que fico falando de mim na música, mas não é sobre ser eu. É sobre abrir as portas para tanta gente incrível que faz diferença na arte do País e não tem visibilidade”.
O single, escrito com Pablo Bispo, Ruxell e o marido Sérgio Santos, ganhou clipe filmado numa fábrica de São Paulo, em meio a ruas coloridas, e na famosa Igreja da Penha, na capital carioca.
Confira o clipe de "Gueto":
Iza - Cantora e apresentadora “O que mais faz sucesso vem do gueto”
Como surgiu a ideia para a estética do clipe “Gueto”?
Iza: Queria muito desenhar esse gueto colorido que existia na minha cabeça e que existe! Sou de Olaria e lembro, sim, de um gueto colorido, bem cuidado, onde a gente não tinha medo de andar na rua. Era uma vontade muito grande de mostrar esse lugar e, ao mesmo tempo, torná-lo lúdico, porque queria que as pessoas enxergassem suas origens ali também.
Como é falar sobre suas origens nessa fase da carreira?
Significa abrir os olhos das pessoas que vêm desse lugar, trazer sentimento de pertencimento, ter orgulho de onde eu vim. Significa mostrar que o que mais faz sucesso hoje vem do gueto. A gente pode não se ver na TV, mas o que as pessoas têm consumido vem desses lugares. Deveríamos ocupar mais!
Como se sente sendo nomeada como uma das líderes da nova geração pela revista Time?
A gente costuma dizer que não trabalha para ganhar prêmio, mas é óbvio que, quando a gente recebe um “tapinha nas costas” desses, dizendo que a gente está no caminho certo, tudo muda.
É muito legal quando a gente recebe uma nomeação como essa porque tudo que é dúvida que a gente tem na nossa cabeça acaba sendo sanada.
Música e clipe trazem muitas de suas lembranças. Qual memória é mais viva em você?
É a coisa da Copa, algo que fiz em tudo que foi subúrbio que morei. De repente, estava todo mundo na rua pintando a bandeira mais bonita que tem no mundo. Nossa bandeira é linda, e ela é nossa! Entende? A gente não pode esquecer que o Brasil é feito de brasileiros e que nosso país é fod*. Está fod*? Está! Mas o nosso país é fod*. É isso que a gente precisa lembrar: que ele é construído por nós. A gente tem que ter orgulho de ser parte desse lugar, por mais que estejamos em um momento tão complicado.
Ouviremos uma Iza mais politizada em seu segundo álbum?
Costumo dizer que eu sou a bandeira. Nada do que falo é proposital. Acabo falando sobre racismo porque é algo que vivi, que não tenho como esconder e faz parte da vida de todos os brasileiros. Acho que vou trazer mais as minhas vivências e, infelizmente, acredito que devo estar sofrendo racismo até lá. Então, vou continuar falando sobre até isso mudar.
O disco, como um todo, tem essa essência pessoal?
Esse tempo todo dentro de casa olhando só para minha cara tem que ter resultado em algo. Fiquei muito tempo comigo mesma em 2020. Então, tinha muita coisa que estava empurrando para debaixo do tapete e, com certeza, vai ser algo mais pessoal, maduro. Quando a gente começa a falar mais de si, sem medo, é sinal de amadurecimento.
Qual a importância de ressaltar a ancestralidade no seu som?
Aprendi que não tem como falar para onde estou indo se eu não souber de onde vim. Por isso, é muito importante ficar muito pé no chão, nas suas raízes, e deixar claro para as pessoas que debaixo da nossa trança tem muita história para contar. Ela faz parte do que a gente é, da nossa sobrevivência.
A gente precisa contar a nossa história, já que não aprendi sobre ela na escola. Não fazia ideia de que algumas mulheres escravizadas escondiam arroz nas tranças para poder alimentar as crianças. Não aprendi.
E por que não, se isso faz parte da história do meu país? Acho que a gente precisa começar a contar, já que não estão falando sobre. Pessoas que têm um lugar de visibilidade deveriam considerar o que elas podem fazer em prol da sua comunidade.
Assim como a Beyoncé fez “Black Is King” e me encorajou a falar de onde eu vim, espero que meu trabalho tenha um impacto parecido na vida de alguém.
A representatividade?
É sempre importante bater nessa tecla. A gente precisa, sim, se ver nos lugares. Por que só tive coragem de cantar com 25 anos, se canto desde criança em casa? Muito provavelmente porque nunca me vi na TV, achava que não dava. Chega uma hora que você acha que não dá mesmo.
Se você não se vê nos lugares, você vai achar que não dá. E isso precisa mudar.
O novo CD terá parcerias?
Ia amar fazer uma música com a Ludmilla. Ela é a maior cantora negra do país. Estamos conversando. Sam Smith foi um grande delírio coletivo. Ele me seguiu no Instagram na semana do lançamento. Quero muito uma parceria com ele. Por enquanto, é especulação.
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