Pedro Bandeira reescreve 'A Droga da Obediência' para as novas gerações
Nascida no contexto de ditadura militar, a obra foi revisada pelo autor, que também reescreveu algumas passagem de seu maior best-seller
Pedro Bandeira está sempre sorrindo. É uma marca dele (a outra é seu bigode). Mas não foi sempre assim. "Hoje vivo de bem com o futuro do meu País e do mundo. Entre 1964 e 1985, eu não conseguia sorrir", diz ele. Aos 83 anos, este santista que escolheu viver em um sítio, que já trabalhou com teatro e jornalismo e se tornou um dos autores brasileiros mais vendidos do País, volta agora aos tempos em que não havia motivo para sorrir e se reencontra com seu primeiro livro, A Droga da Obediência.
Nascida justamente naquele contexto de ditadura militar, a obra foi revisada pelo autor, que também reescreveu algumas passagem de seu maior best-seller para garantir que a nova geração vai entender seu recado. Um recado que ele já passou para os pais, tios e professores desses novos jovens leitores - afinal, quem cresceu no Brasil de 1984, quando o livro foi lançado, para cá, e leu livros na escola, certamente conhece Os Karas.
Miguel, Calu, Crânio, Magrí e Chumbinho, cinco estudantes se veem diante de uma conspiração internacional liderada pelo Doutor Q.I., que quer subjugar a humanidade por meio de uma droga que acaba com a vontade própria. Quando a turma descobre isso, a tal droga já está sendo usada por estudantes de escolas de elite de São Paulo. Esse é o enredo de A Droga da Obediência, o livro que inaugurou a série Os Karas e que ganha desdobramentos a partir de agora.
O lançamento da nova edição, com projeto gráfico renovado, novas ilustrações, trechos reescritos para os dias de hoje e uma tiragem limitada em capa dura, que Pedro Bandeira autografa neste sábado, 29, em São Paulo, chega às vésperas de outro lançamento: A Droga da Obediência em Quadrinhos. A HQ, fruto do trabalho de Felipe Pan, Olavo Costa e Mariane Gusmão, será apresentada na CCXP, em 7 de dezembro. E, conforme já tinha sido anunciado, a série Os Karas vai ser adaptada para produções audiovisuais, incluindo um filme que, segundo o autor, já em fase de pré-produção.
O que muda no livro
Quem leu o livro décadas atrás não deve ter guardado os detalhes da história, mas provavelmente se lembra de procurar algum número nas enormes listas telefônicas. Foi numa lista dessas que o bioquímico Márius Caspérides foi encontrado em A Droga da Obediência. Agora, para chegar até ele, os personagens simplesmente fizeram uma pesquisa no Google.
Outro trecho alterado pelo autor nesta nova edição mostra como a vida ficou mais simples - pelo menos no que diz respeito à comunicação. Nas edições passadas, o leitor encontrava o seguinte parágrafo:
"Miguel sentia-se cansado e faminto quando desceu do ônibus e procurou um telefone público. O único que encontrou estava depredado por algum vândalo, como há tantos em São Paulo. Acabou entrando em uma lanchonete e pediu para telefonar. Procurou na lista o telefone do Chumbinho, pelo sobrenome do garoto. O sobrenome era meio raro e só havia um na lista."
Hoje está assim:
"Miguel sentia-se cansado e faminto quando desceu do ônibus e logo ligou para a casa de Chumbinho."
"Revisitei o texto integralmente, substituindo referências que ficaram no passado e ajustando detalhes de continuidade, mas sem abrir mão da essência do livro", explica Pedro Bandeira.
Uma essência que é de amizade, de aventura, de enfrentamento. "Escrevi A Droga da Obediência em 1982, no finzinho da ditadura. Eu tinha 20 anos quando derrubaram o arremedo de democracia que tínhamos e já tinha 40 quando a ditadura foi embora. Assim, toda minha vida profissional, quer como jornalista quer como ator de teatro, foi perseguida pela censura. Tive peças proibidas às vésperas da estreia e fui censurado algumas vezes como jornalista e redator", conta ele, que foi contemporâneo e conterrâneo de Plínio Marcos e de Pagu.
Desobediência e liberdade de expressão
Apesar de ser uma história de investigação escrita sobre (e para) crianças que viviam num mundo analógico - e para quem a ideia de modernidade, de um futuro tecnológico, era sonhada diante da TV com os Jetsons, o livro de Pedro Bandeira é atual. E este é o recado que ele tem dado a todas essas gerações que leram e tornaram A Droga da Obediência um sucesso com cerca de 4 milhões de exemplares vendidos.
"A desobediência é o berço da democracia, da igualdade de direitos, da liberdade de palavra e da imprensa. O Brasil só tem isso desde a redemocratização do final dos anos 80 do século passado. E, apesar de várias investidas dos autoritários, a democracia resiste no meu País. Não quero que os jovens de hoje passem pelo horror que já vivi", afirma.
Pedro Bandeira tem um carinho enorme por este livro. Foi o seu primeiro, e o que possibilitou que ele deixasse o jornalismo e vivesse de literatura. Pelas contas oficiais, ao longo de sua trajetória de 40 anos como escritor, ele lançou mais de 100 livros que, somados, venderam cerca de 20 milhões de exemplares. "Eu amo este livro. Os 5 Karas são meus filhos de papel."
Temas profundos, delicados e incômodos
Os livros de Pedro Bandeira lidam com questões humanas profundas, como amizade, medo, coragem, injustiça, perda, amor. Outro sucesso do autor, que não tem uma ligação direta com o tema que motivou a escrita de A Droga da Obediência, "o cala boca", mas que sofreu algumas tentativas de censura por parte da sociedade ao longo dos anos, é A Marca de Uma Lágrima.
Ali, ele conta a história de Maria Isabel, uma menina solitária e que está em fase de amadurecimento. Há alguns anos, os pais de uma aluna se revoltaram com o pedido de leitura feito pela escola e o assunto fez barulho. Bandeira comentou essas investidas que obras como esta sofrem na sociedade, durante outra entrevista ao Estadão, em 2023, e reafirmou que seu compromisso é com seus leitores - que também sofrem, se sentem sozinhos, se desesperam, sonham, amam - e não com os pais ou professores deles.
Porém, ao pensar, hoje, no que ele poderia dizer a essa nova geração que cresce no meio de telas, redes sociais e excesso de informação, ele diz preferir fazer um alerta para as famílias. "Fale com seus filhos desde a gravidez, leia histórias para eles, compre livros para eles, sejam parceiros das escolas e dos professores. A escola entra muito tarde na vida das crianças, tem pouca chance de oferecer o colo cultural da mãe e do pai". Pense só: se uma criança está entretida com um joguinho de celular, se a mãe fala: filha, venha no colo da mamãe para ouvir uma história, a criança não abandonaria o celular? "Há poucos dias, ao oferecer uma live para uma escola e pôr-me a responder perguntas dos alunos, um jovem me questionou: 'Pedro, o que você diria para um adulto que não liga para os filhos?'. Como responder a uma pergunta dessas?", finaliza.
Lançamento 'A Droga da Obediência' na Livraria da Vila
Editora: Moderna (208 páginas; R$ 107)
29/11: Pedro Bandeira autografa na Livraria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915 - Vila Madalena, São Paulo - SP), das 15h às 17h.
Lançamento de 'A Droga da Obediência em Quadrinhos' na CCXP
Editora: Moderna (128 págs.; R$ 107)
7/12: Com roteiro de Felipe Pan, ilustrações de Olavo Costa e cores de Mariane Gusmão, a HQ será apresentada na CCXP25, no Palco Blast, por Pedro Bandeira e demais artistas, às 13h.
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