Carlinhos de Jesus: “Achei que nunca mais voltaria a dançar”
O consagrado dançarino se apresentou em Vila Velha, no espetáculo “Quebra-Nozes Capixaba”, após ficar cinco meses sem o movimento das pernas
Carlinhos de Jesus, o mestre da dança de salão, que tem mais de 40 anos de carreira, voltou aos palcos no Espírito Santo, após ficar cinco meses sem o movimento das pernas.
O consagrado dançarino se apresentou na Prainha, em Vila Velha, no espetáculo “Quebra-Nozes Capixaba”, junto de Ana Botafogo, a dama do balé brasileiro.
“Para você viver, você precisa ter na sua cabeça que é capaz de fazer qualquer coisa, tudo o que você quiser. A vida é isso, é saber se adaptar e entender”.
O dançarino foi diagnosticado, em julho, com polineurorradiculopatia desmielinizante infecciosa crônica, uma doença neurológica que inflama os nervos e danifica terminações nervosas em pernas e braços.
“O próprio sistema imunológico ataca a mielina, a camada protetora das fibras nervosas, resultando em fraqueza muscular, alterações de sensibilidade e reflexos diminuídos. A causa ainda não é totalmente conhecida”, explicou o médico ortopedista Bernardo Terra.
Se não tratada, ou se evoluir muito, a doença pode gerar atrofia muscular, necessidade de auxílio para andar e até uso de cadeira de rodas. Em metade dos casos, há risco de incapacidade permanente”.
No caso de Carlinhos, a condição ocasionou bursite trocantérica, inflamação em uma região óssea do fêmur, onde o quadril se apoia ao deitar de lado.
“É um problema comum, principalmente a partir da meia-idade. Em dançarinos e atletas que forçam muito o quadril, o risco pode aumentar em quem treina em alto volume ou sem recuperação adequada de musculatura”, apontou o ortopedista Jefferson Coelho de Léo.
Alongamentos específicos e fisioterapia voltada para o fortalecimento dos músculos são os tipos de tratamentos mais comuns nesses casos, afirmou o médico.
“Em grande parte dos pacientes é possível controlar totalmente os sintomas e a pessoa volta às atividades habituais. A melhor forma de prevenção é cuidar do estilo de vida e da musculatura que protege o quadril, evitando sedentarismo e ganho de peso”.
Carlinhos de Jesus: “Ainda tenho muito a viver”
A Tribuna: O que você sentia quando tudo começou?
Carlinhos: Em um dia eu estava bem, e no outro, amanheci com uma dor insuportável. Fiquei três dias em casa com fortes dores. Quando fui ao hospital, acabei internado. Tomei remédios fortes e até morfina durante 12 dias. A ficha caiu quando me virei na cama, quis movimentar a perna direita e não conseguia. Eu olhava para a minha perna e pensava “cadê?”, e tive que movê-la com a mão.
O que passou na sua cabeça?
Eu comecei a planejar como seria minha vida sem andar, mas eu só sei dançar. Sou formado em Pedagogia, então imaginei como eu ia atuar em uma escola. Pensei em colocar todo mundo para dançar, dando aula de samba para as crianças. Pensei até em fazer concurso público, virar concurseiro.
O que te fez ter força de vontade para voltar a dançar?
Eu tinha sido convidado para o Festival de Dança de Joinville, que considero o maior do mundo. Eu estava internado, sem saber se teria alta. Minha esposa disse à organização que eu teria que desmarcar. Mas toda a cúpula disse que me queria no Festival.
Meu irmão, isso foi como um estimulante direto na veia. Eu disse para mim mesmo que sou capaz e que ia continuar trabalhando. Então eu fui, mesmo com dor, e de cadeira de rodas.
E como foi o tratamento?
Repleto de fisioterapia e faço minha infusão de imunoglobulina humana uma vez por mês. A família foi muito importante, e minha esposa, nem se fala. Ela esteve comigo durante todo esse processo.
A que você credita a sua recuperação?
À medicina, e também à minha fé. Eu tenho a minha crença, e tenho muita fé. E cá estou eu. A vida é se adaptar, é entender. Eu digo, confia em Deus. Eu ainda tenho muito para viver. Vou continuar, andando, ou de bengala, não sei. Mas eu vou continuar vivendo.
E como está a sua performance no palco?
Eu já consigo andar, mas tenho os meus limites. Tenho uma scooter elétrica, eu até trouxe para cá. Pensei “se eu não conseguir entrar andando, vou aparecer no palco de scooter elétrica e encontrar a Ana de scooter”.
Qual o sentimento ao retornar para os palcos?
Nervosismo, de ter um público grandioso assistindo ao Quebra-Nozes Capixaba. É um grande espetáculo, que traz balé clássico, uma história que já é conhecida e também representatividade da cultura do Espírito Santo. Eu tenho um primo que é natural de Vila Velha, e minha avó era de Cachoeiro. Então tenho a sensação de me apresentar para um público, de certa forma, conhecido.
Saiba mais
Doença autoimune
PDIC - Polineuropatia Demienilizante Inflamatória Crônica é caracterizada quando o próprio sistema imunológico do paciente ataca a mielina, camada protetora das fibras nervosas.
Sintomas
Fraqueza muscular progressiva, geralmente nas pernas primeiro, subindo para membros superiores.
Formigamento ou dormência nos membros.
Reflexos diminuídos ou ausentes.
Alteração de equilíbrio, dificuldade para subir ou descer degraus, marcha alterada.
Causas
Ainda não há origem totalmente identificada. Portanto, não há forma de prevenção específica, mas especialistas apontam que manter a saúde neurológica em dia é importante.
Tratamento
Fisioterapia, acupuntura, fortalecimento muscular, uso de anti-inflamatórios e infusão de imunoglobulina humana, produto formado a partir de anticorpos do sangue de doadores.
Fonte: Médicos entrevistados.
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