Uso da tecnologia: “Só formação técnica não é suficiente”, diz especialista
Especialista explica que o mercado exige profissionais capazes de aprender e de utilizar a tecnologia para aumentar seu desempenho
As mudanças nos cursos superiores refletem as transformações que o mercado de trabalho hoje espera de um profissional. Se antes bastava dominar a técnica, agora empresas procuram quem seja capaz de aprender continuamente, interpretar dados, criar soluções e trabalhar de forma colaborativa.
A conselheira da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Estado (ABRH-ES), Flavia Rapozo, ressaltou a importância da reformulação do ensino para evitar a formação de profissionais já desatualizados no momento da graduação.
Segundo ela, há anos as instituições de ensino buscam reduzir as lacunas entre as competências exigidas pelo mercado e aquelas desenvolvidas nos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação.
“A Inteligência Artificial intensificou essa discussão, especialmente no sentido de complementar os fundamentos técnicos com habilidades digitais e capacidade de resolver problemas por meio de dados”, explicou.
Para Flávia Rapozo, de forma geral, todos os cursos são impactados pelas novas tecnologias e pela Inteligência Artificial, porém, com intensidades distintas.
“As mudanças tecnológicas ampliaram a fronteira da utilização da ciência de dados até para questões ligadas às áreas de Ciências Humanas e Sociais. Para isso, em algum nível, esses profissionais precisarão passar por uma espécie de alfabetização digital que permita a utilização de IA para a realização de tarefas cotidianas”.
Ela enfatiza que há um risco concreto de obsolescência profissional, considerando que tarefas e processos operacionais já vêm sendo transformados pelas possibilidades da IA.
“Nenhum profissional pode ignorar esse impacto. Por isso, as instituições de ensino precisam se adaptar para formar talentos alinhados às demandas atuais das empresas e às transformações que continuarão ocorrendo. Embora a formação técnica seja fundamental, ela não é mais suficiente isoladamente”.
Flávia aponta que o mercado exige profissionais capazes de aprender continuamente e de utilizar a tecnologia como ferramenta para aumentar seu desempenho.
“Além das competências técnicas, as instituições devem estimular o que o mercado chama de soft skills, que envolve desenvolver criatividade, comunicação, pensamento crítico, capacidade de resolver problemas e disposição para aprender sempre. A atualização constante tornou-se um requisito permanente”, disse.
Ensino de IA para estudos
O surgimento das chamadas ferramentas de Inteligência Artificial generativa – como o Chat GPT e o Gemini – tem levado faculdades e universidades a ensinarem aos alunos a estudar e a pesquisar com as ferramentas.
Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o professor do Departamento de Design e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Hugo Cristo coordena iniciativas tanto voltadas para os cursos em que atua quanto um projeto de extensão voltado à difusão da IA para os demais estudantes do campus.
“O projeto de extensão tem a função de ajudar a difundir os princípios da IA e preparar estudantes, professores e técnicos para esse momento novo da educação”.
Ele destaca que hoje a IA pode ajudar tanto nos estudos quanto na elaboração de projetos e trabalhos.
“As ferramentas podem desde transformar um texto em um podcast, para serem escutados, quanto ajudar a fazer um mapa mental ou um quiz para testar os conhecimentos. É ferramenta pedagógica e de apoio ao processo de estudo dos estudantes”.
Nas pesquisas para elaboração de projetos ou teses, o apoio da IA pode otimizar tempo.
Ensino híbrido vai ganhar cada vez mais espaço
Enquanto as novas tecnologias avançam, uma outra mudança para os próximos anos é o crescimento do ensino híbrido nas faculdades e universidades.
O diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Janguiê Diniz, classificou a consolidação de um modelo híbrido de ensino é “inevitável”.
“Não haverá mais cursos totalmente desconectados do digital, ou seja, nem 100% presenciais “analógicos”, nem 100% a distância, sem momentos de interação qualificada”.
Ele citou que o decreto que instituiu a Nova Política de EAD no Paí este ano já aponta nessa direção ao vedar graduações totalmente a distância e regulamentar o formato semipresencial.
“A exceção deverá ficar por conta dos cinco cursos cuja oferta está restrita ao formato presencial: Medicina, Odontologia, Enfermagem, Psicologia e Direito”.
Ele frisou que isso não significa que essas graduações ficarão longe do contexto tecnológico. “O futuro da educação passa por unir tecnologia, propósito e humanização. Assim, toda instituição de ensino superior vai ter de aprender a operar nesse equilíbrio: altamente tecnológica, mas cada vez mais humana naquilo que só o encontro, o cuidado e a mediação docente podem oferecer”.
Sobre a forma que as novas tecnologias e a IA têm impactado diretamente nas práticas pedagógicas de cursos do ensino superior, Diniz disse que isso ainda é um processo em construção.
Segundo ele, pesquisas com professores do ensino superior mostram que pouco menos da metade já usa algum recurso de IA em sala de aula –cerca de 39,2% –, mas quase 75% dizem que concordam em adotar a IA como ferramenta pedagógica.
“Do lado dos estudantes, a pesquisa 'Inteligência Artificial na Educação Superior', feita pela ABMES com a Educa Insights, mostra que a maioria conhece e utiliza ferramentas de IA nos estudos, o que pressiona as IES a adaptarem práticas de ensino, avaliação e acompanhamento”.
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