“Prejuízo na formação só será recuperado em 2030”, diz doutor em educação
Especialista acredita que impacto da pandemia nos alunos é muito grande e o País precisa ter um projeto maior para a Educação
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Quando a pandemia começou e as aulas presenciais foram suspensas, muitos pais, alunos e professores passaram a se questionar se o ano letivo estaria perdido. Depois, o questionamento foi se o ensino a distância seria suficiente e eficiente.
Agora que já existe uma dimensão maior dos efeitos da covid-19 na educação, parte dessas perguntas começaram a ser respondidas.
Segundo o doutor em Educação e coordenador do Comitê de Sustentabilidade da World Vision Brazil, Ismael Rocha, os prejuízos foram extensos e só serão completamente recuperados em 2030.
A TRIBUNA – Quais são os prejuízos na educação causados pela pandemia da covid-19?
ISMAEL ROCHA – É fácil de identificar. Nós falamos sobre algo chamado de ensino e aprendizagem. O ensino por causa do professor e a aprendizagem por causa do aluno. Essas duas variáveis precisam caminhar em paralelo, com a mesma intensidade.
Quando se rompe isso, que foi o que aconteceu com a pandemia, nós não temos a aprendizagem mesmo que os professores tenham o interesse em construir algo. No atual período da pandemia, finalmente começamos a perceber que há um vácuo de aprendizagem bastante significativo.
Outro aspecto que julgo tão importante quanto é a relação de convivência, principalmente nos anos iniciais. Os meninos e as meninas aprendem brincando, se relacionando, entendendo o que é limite e respeito. Todos esses aspectos foram tirados dos alunos. Então, os prejuízos foram tanto no déficit de conteúdo quanto em impactos socioemocionais.
Como funciona essa relação?
Quando tenho um impacto socioemocional negativo, eu tenho dificuldade de aprender o conteúdo. Se não tenho crianças inteiras, não consigo fazer com que o conteúdo seja aprendido corretamente.
Não é só saber Matemática. É se tornar uma pessoa participativa e proativa, que busca se relacionar. Isso tudo é fundamental.
O ensino remoto tem condições de abranger todas essas necessidades?
Não acredito que seja suficiente, principalmente porque os professores não estão treinados. Não existe uma formação voltada a esses profissionais para que eles explorem as ferramentas digitais.
Imagine os influencers, youtubers e tiktokers: eles conseguem envolver de tal forma que os meninos não tiram os olhos do celular. Isso acontece porque eles aprenderam a usar e a explorar essas ferramentas digitais da melhor forma possível.
O curso de formação dos professores foi para aula presencial. Você pode dizer que muitos fizeram curso em EAD. Mas ser aluno em EAD é uma coisa e ser professor em EAD é outra. O papel muda.
Mas o ensino híbrido veio para ficar. Nossas crianças são nativas digitais e tirar o digital delas é como arrancar um pedaço. Por isso, a necessidade do ensino híbrido. Vamos usar isso em benefício da educação, mas sem abrir mão do presencial, porque esse contato humano é extremamente importante.
Quando o Brasil vai conseguir se recuperar desse prejuízo causado pela pandemia?
A previsão é que a gente consiga estar numa posição como se não tivesse existido a pandemia apenas daqui a nove anos. Isso quer dizer que o prejuízo na formação só será recuperado em 2030. No Reino Unido essa recuperação vai ocorrer já em 2023, de acordo com dados publicados pelo Ministério da Educação de lá.
Se tentássemos visualizar essa diferença como se fosse uma corrida, seria como se os estudantes ingleses chegassem na linha de chegada sete anos antes dos estudantes brasileiros. Então, como sociedade, essa defasagem vai ter um impacto muito grande.
Quais medidas devem ser pensadas visando à recuperação educacional do País?
Quando falamos em fazer algo para mitigar esse impacto, precisamos falar em um projeto de País. Não é um projeto de estado ou cidade. É colocar a educação como sendo o principal ou um dos principais aspectos para o desenvolvimento do Brasil nos próximos anos.
Significa desenvolver materiais, treinar professores de forma efetiva para que possam desenvolver essa dinâmica, além de melhorar significantemente a estrutura das escolas. Além disso, o projeto precisa ser feito por educadores, não por burocratas. Nós temos inúmeros especialistas que poderiam criar esse programa com enorme acerto.
As dificuldades enfrentadas pelas escolas particulares foram as mesmas das públicas?
Apenas 15% dos estudantes do Brasil estão em escolas particulares. As pessoas não têm essa dimensão.
Então, 85% dos alunos estudam em escolas públicas, que, em grande maioria, estão distantes de toda uma formação em tecnologia. Se a tecnologia não chegou nas escolas, então os professores não foram formados para usá-la.
Outro dado é que existe um percentual muito grande de estudantes no Brasil que não têm acesso à internet. E, por último, está o fato de que a população de baixa renda não tem acesso aos equipamentos necessários.
Então, existe uma defasagem técnica. Não é porque os meninos são menos inteligentes ou porque os professores se empenham menos. São conjuntos de fatores que mostram que os impactos são maiores nas escolas públicas.
Então, como deve ser feita a avaliação dos prejuízos causados pela pandemia na educação do País?
O primeiro aspecto necessário é ter a dimensão do que aconteceu. Essa dimensão pode ser feita através de amostras. Não é só perguntar aos alunos se eles sabem o que é uma equação de segundo grau ou uma análise sintática.
O diagnóstico tem que levar em consideração o impacto socioemocional. Quando tivermos esse mapa, saberemos os pontos necessários para desenvolver o projeto.
Os estudantes podem encontrar uma forma de diminuir um pouco o tamanho desse prejuízo que enfrentam?
Sim, sempre é possível. Tem aquela música do Gonzaguinha que fala “Eu acredito é na rapaziada”. Historicamente, os jovens sempre tiveram que romper barreiras. Mas o que eu vejo é que eles estão desanimados.
Os jovens precisam acreditar que a mudança desse País se dá pela educação. Eles têm que voltar para a escola e exigir que ela entregue a ele tudo o que merece e precisa.
Apesar de tudo isso, ainda dá para acreditar no poder da educação, então?
Eu sou otimista! Porque a educação é transformadora. Por isso o educador é otimista, porque ele acredita que a realidade pode mudar.
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