Avanço da tecnologia tem mudado até nomes de cursos
Um exemplo é o curso de Estatística, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
O avanço das tecnologias e da Inteligência Artificial não tem mudado apenas conteúdos e métodos de ensino, mas também a identidade dos cursos. Um exemplo é o curso de Estatística, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Hoje, ele se chama Estatística e Ciência de Dados, incorporando conteúdos como aprendizado de máquina e inteligência computacional.
O professor do Departamento de Estatística, doutor em Ciência da Computação e especialista em Inteligência Artificial Diego Dias destacou que o ensino superior como um todo passa por uma redefinição do que tem sido ensinado.
“O exemplo do curso de Estatística e Ciência de Dados mostra a reconfiguração da matriz para incluir conteúdos essenciais. O foco sai do cálculo básico e vai para a arquitetura de dados e a modelagem algorítmica, trazendo uma 'pegada' mais computacional”, explicou.
Ele mesmo foi contratado devido às novas demandas do curso. “As transformações mais significativas aconteceram na última década, mas ficaram mais evidentes nos últimos três anos devido às ferramentas de IAs generativas, como ChatGPT”.
Mas ao comparar com a formação tradicional de 20 anos atrás, ele frisa que a grande mudança não está no perfil central do curso – que continua a apresentar ao aluno a teoria e a prática fundamentais.
“O que mais precisou e que ainda está sendo adaptado são as formas de avaliação. O professor está sendo forçado a abandonar atividades com respostas simples, que podem ser facilmente geradas pelas IAs em segundos. A avaliação deve exigir que o aluno execute exercícios focado em habilidades como a análise de casos complexos e a interdisciplinaridade”.
Para ele, o uso das IAs não é algo que se pode fugir em qualquer área do conhecimento. “Costumo dizer aos meus alunos que a formação de hoje exige que eles se tornem curadores do conhecimento. Eles precisam desenvolver um senso crítico, baseado no conhecimento aprendido durante o curso, para validar as respostas que a IA gera, separando o que é informação útil e correta do que é pura 'alucinação' – algo comum nos modelos de linguagem. Essa capacidade de checagem é o que realmente faz a diferença”.
Algumas áreas que passam por transformações
Direito
A formação em Direito vive um momento de reestruturação. Se antes a base do curso estava centrada na leitura de códigos, no estudo de doutrinas e na memorização de jurisprudências, agora o currículo incorpora ferramentas digitais e habilidades de análise de dados.
A inteligência artificial generativa, especialmente, vem redesenhando tanto a sala de aula quanto o perfil do futuro advogado.
Além disso, o currículo passou por atualização nos últimos anos, como a adoção de disciplinas como Direito Digital em muitas instituições, em que são abordados temas como a Lei Geral de Proteção de Dados e outras mudanças.
Na FDV, por exemplo, são desenvolvidas atividades envolvendo Direito e Inteligência Artificial desde 2010, inicialmente com a oferta de disciplinas eletivas, grupos de estudos e cursos de extensão. Já em 2021, a disciplina Direito Digital passou a integrar a matriz curricular do curso, com a IA como parte de seu conteúdo.
Além disso, desde 2023 a faculdade tem o Laboratório de Direito e Inteligência Artificial, em que são desenvolvidos projetos com modelos de linguagem que integram ferramentas de Inteligência Artificial generativa à aprendizagem, à pesquisa acadêmica e à prática jurídica profissional.
Biblioteconomia
Em cursos tradicionais como Biblioteconomia da Ufes, por exemplo, a tecnologia também mudou o conteúdo ensinado. Ela é abordada em disciplinas como Serviço de Recuperação de Informação II, Automação de unidades de Informação e Organização da informação e do conhecimento em contextos digitais.
Saúde
Em cursos como Medicina, Enfermagem, Psicologia e Fisioterapia, a tecnologia já está incorporada em muitas instituições de ensino.
Na infraestrutura, cursos também ganham ambientes de simulação de alta fidelidade, incluindo bonecos automatizados, realidade virtual e softwares de tomada de decisão.
Eles permitem que o aluno vivencie situações clínicas complexas antes do contato com o paciente.
Outro ponto é o uso da IA para auxílio na avaliação e interpretação de exames, principalmente exames de imagem e estudos histológicos. Na rotina, estão teleatendimento, prontuário eletrônico e apoio à decisão clínica.
O professor do curso de Medicina da Ufes e neurocirurgião Walter Fagundes revelou que o Hospital Universitário conta hoje com bonecos automatizados, capazes de simular respostas fisiológicas complexas em tempo real, permitindo ao estudante treinar situações críticas em um ambiente controlado e seguro.
Arquitetura
Na Arquitetura, a Inteligência Artificial tem auxiliado na criação de imagens realistas de projetos. Um exemplo em que estudantes têm feito esse uso é no Centro Universitário Salesiano (Unisales). Alguns alunos já trabalham com essa técnica tanto em trabalhos acadêmicos quanto profissionais.
Engenharias e Computação
Nas Engenharias e na Ciência da Computação, a IA já faz parte do cotidiano acadêmico, seja para criar protótipos, simular cenários ou auxiliar na escrita de código.
O foco dos cursos está migrando do domínio mecânico da linguagem de programação para projetar soluções, explorar dados e integrar sistemas.
Isso abre espaço para disciplinas sobre machine learning, visão computacional, ética algorítmica e segurança digital.
Negócios, Administração e Marketing
Cursos de Administração, Economia e Marketing passam por uma atualização curricular e também mudanças em disciplinas já existentes.
A formação deixa de priorizar apenas teorias de gestão para incluir análise de dados, BI, visualização de informações e automação de processos.
Ferramentas de IA ajudam a simular cenários de mercado, testar estratégias e segmentar públicos.
O profissional que se forma agora precisa saber interpretar informações e tomar decisões, e não apenas elaborar relatórios.
Psicologia e Ciências Humanas
Na Psicologia, a IA aparece tanto como tema de debate ético e cultural quanto como ferramenta de pesquisa, especialmente na organização e análise de dados de entrevistas, observações e ainda referenciais teóricos.
Discute-se a relação entre tecnologia, emoções, subjetividade e comportamento.
O aluno, no entanto, precisa desenvolver escuta, empatia e mediação humana, justamente as habilidades que não podem ser automatizadas.
Licenciaturas
Licenciaturas de uma forma geral tendem a passar por alterações com implementação do ensino de Inteligência Artificial. O Conselho Nacional de Educação (CNE) já vem discutindo a inclusão no currículo de Pedagogia e das licenciaturas a obrigatoriedade do ensino de IA. A ideia é formar professores que já cheguem às salas de aula preparados para oportunidades e desafios que essa tecnologia traz para as escolas.
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