STJ pode liberar bloqueio de salário para quitar dívidas
Justiça vai decidir se autoriza a penhora de parte da remuneração do inadimplente a fim de evitar que contas não sejam pagas
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A Justiça pode permitir o bloqueio de parte do salário de um devedor para quitar dívidas em atraso.
Embora o Código de Processo Civil estabeleça a regra de impenhorabilidade da remuneração, decisões recentes indicam que essa proteção pode ser flexibilizada quando não houver outros bens para saldar o débito e desde que o desconto não comprometa a subsistência do trabalhador e sua família.
O advogado especialista em Direito Público Sandro Câmara disse que já está acontecendo. “O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que, em situações excepcionais, parte do salário pode ser penhorada para pagar dívidas que não sejam de pensão alimentícia, desde que seja preservado um valor mínimo para garantir a subsistência do devedor”, explicou.
O tema ganhou destaque com o julgamento do tema 1.230 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que discute parâmetros para esse tipo de penhora. O relator, ministro Raul Araújo, apresentou propostas de tese para relativizar a regra da impenhorabilidade salarial.
Em seu entendimento, deve-se garantir a proteção integral do mínimo existencial, situado entre um e dois salários mínimos. Por outro lado, a parcela que exceder os 50 salários mínimos poderá ser totalmente penhorada.
Quanto à faixa intermediária, entre o mínimo existencial e o limite de 50 salários, o relator propôs que a penhora seja admitida, mas restrita a um percentual entre 35% e 45% da remuneração do devedor, de acordo com a essencialidade do crédito cobrado.
Especialistas alertam que a medida deve ser aplicada com cautela, para equilibrar o direito do credor ao recebimento e a dignidade financeira do devedor. O STJ está flexibilizando as regras atuais, segundo Sandro Câmara.
“Hoje, a penhora só poderia atingir salários acima de 50 salários mínimos (R$ 75,9 mil/mês), mas esse limite foi considerado irreal. Além disso, a penhora só deve ocorrer quando não houver outros bens disponíveis para cobrança e após avaliação individual do impacto para o devedor”, relata.
A consequência inevitável na maioria dos casos será mesmo a penhora do salário, destacou o advogado e Mestre em Direito Gustavo Dantas Carvalho, que esteve na Corte Especial do STJ. Ele propôs uma relevante definição: que se imponha ao credor o ônus de comprovar que a penhora não atinge a subsistência digna do devedor.
“Caso contrário, haverá um efeito em cascata indireto. A pessoa que deve não vai conseguir provar que isso não afeta sua subsistência, porque na economia existem coisas informais. Isso vai até estimular o emprego informal. O devedor vai preferir não ter carteira assinada.”
Entenda
Análise do STJ
O Tema 1.230 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trata da possibilidade de penhora de valores de natureza salarial para o pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando o montante é inferior a 50 salários mínimos.
Em outras palavras, a Corte está analisando até que ponto a regra da impenhorabilidade dos salários, prevista no artigo 833 do Código de Processo Civil, pode ser flexibilizada.
Atualmente, a penhora do salário do devedor para quitar tais dívidas é vedada pela lei e só pode ocorrer se o devedor tiver renda mensal de mais de 50 salários mínimos.
Hoje, isso significa admitir a penhora do salário só de quem recebe mais de R$ 75,9 mil por mês, um padrão muito fora da realidade social brasileira. Foi o que levou o STJ a flexibilizar a lei em diversos precedentes a partir de 2018.
A decisão terá repercussão geral no STJ, servindo como orientação para casos semelhantes em todo o País.
Quais os critérios
O voto do relator Raul Araújo propôs a adoção de alguns critérios objetivos para orientar como essa flexibilização deve ocorrer:
O mínimo existencial para a sobrevivência digna do devedor será sempre impenhorável. Esse valor seria algo em torno de dois salários mínimos, conforme cogitou o relator (R$ 3.036).
O valor do salário que exceda a marca de 50 salários mínimos será plenamente penhorável, inclusive em sua integralidade.
O valor que esteja entre o mínimo existencial e a marca de 50 salários mínimos poderá ser penhorado observando limites máximos de até 45% do montante.
O voto ainda aponta que a relativização da regra da impenhorabilidade do salário deve ser tomada pelos juízes e tribunais como excepcional e só pode ser adotada se cumpridas duas exigências: quando outros meios que possam garantir a efetividade da execução estiverem inviabilizados; e desde que o impacto da penhora do salário na subsistência digna do devedor e de sua família seja concretamente avaliado pelo julgador.
Fonte: STJ e especialistas.
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