Professores têm IR maior que milionários
Quem ganha acima de R$ 2,1 milhões por ano paga em média 5,5% de Imposto de Renda, menos que médicos e policiais, revela estudo
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Milionários pagam alíquotas menores de Imposto de Renda (IR) do que professores, médicos e policiais, mostra estudo do Sindifisco Nacional, sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal, a partir de dados do Imposto de Renda Pessoa Física de 2022, que leva em conta os lançamentos do ano anterior.
O estudo do Sindifisco mostrou que contribuintes que declararam ganhos totais acima de 160 salários mínimos (R$ 2,1 milhões no ano, ou R$ 176 mil por mês) pagaram, em média, menos de 5,5% de Imposto de Renda.
É uma taxa menor, por exemplo, do que pagaram professores de ensino fundamental (8,1%), enfermeiros (8,8%), bancários (8,6%) ou assistentes sociais (8,8%) – profissionais que, na média, declararam rendimentos totais abaixo de R$ 94 mil naquele ano (menos de R$ 8 mil ao mês).
O Sindicato dos Professores no Espírito Santo (Sinpro/ES) afirma que tem conhecimento da ação e luta por uma lei para diminuir o valor do imposto. “Temos conhecimento deste dado e não achamos justo essa condição”.
Atualmente, na rede privada do Espírito Santo, são cerca de 15 mil profissionais em exercício. “Diretamente afetados por essa norma. Acreditamos que a luta em defesa de melhores condições de trabalho para as professoras e professores é algo contínuo”, concluiu o Sindicato.
Sandro Câmara, advogado especialista em Direito Público, explica porque essa diferença acontece e se, aos olhos da lei, ela é legal.
“Essa discrepância é permitida por lei. Enquanto o assalariado da classe média paga o imposto sobre os seus rendimentos, que pode alcançar até 27,5% dos rendimentos, empresários e profissionais liberais não são tributados em relação aos lucros e dividendos recebidos de suas empresas”, destaca.
Câmara explica que a legislação não prevê a incidência de IR sobre tais recebimentos. No entanto, depois de 30 anos de discussão, a Câmara dos Deputados aprovou a primeira fase da reforma tributária, que reformula a tributação sobre o consumo. O texto segue para o Senado e, se passar, vai taxar grandes fortunas.
Hemerson Barrada Maia, advogado especialista em Direito Tributário explica o que deve acontecer. “Até então o projeto prevê o reajuste da tabela para 30% de alíquota máxima, ou seja, 30% para salários acima de R$ 39 mil. Mas ainda precisa ser confirmado pelo Senado”, diz.
Medida sobre taxação da alta renda
O presidente Lula (PT) sancionou ontem uma medida provisória que muda a tributação de fundos fechados, que são exclusivos para alta renda. O que isso significa? É o mesmo que taxar grandes fortunas?
Hemerson Barrada Maia, especialista em direito previdenciário explica que não diretamente. “O que a medida provisória pretende é compensar a reciclagem – renúncia de receita – obtida com a ampliação da faixa de isenção do IR”, diz.
Segundo ele, a tributação no Brasil está concentrada no consumo e não na renda. “Hoje, que tem altos ganhos, na maioria dos casos, faz retiradas via pessoa jurídica e consequente distribuição de lucros, por isso a tributação é menor.”
Maia detalha o que isso quer dizer na prática. “A classe média, por exemplo, em sua maioria está ligada a vínculos de emprego celetista ou cargos públicos em que o Imposto de Renda é retido na fonte, com alíquotas variando de 7,5 a 27,5%”, conta.
Ele, que é advogado, ao declarar o Imposto, fatura os clientes pelo CNPJ do escritório, a uma alíquota global que começa em 4,5%. “Se fosse na pessoa física, seria 27,5% apenas de IR”, afirma.
Mudanças na forma de tributação
Bancários pagam mais
Contribuintes milionários pagam no Brasil alíquotas menores de imposto de renda do que profissionais de renda média e alta.
Pessoas com ganhos totais acima de 160 salários mínimos (R$ 2,1 milhões no ano, ou R$ 176 mil por mês) pagaram, em média, uma alíquota efetiva de Imposto de Renda (IR) de menos de 5,5%.
É uma taxa menor, por exemplo, do que pagaram professores de ensino fundamental (8,1%), enfermeiros (8,8%), bancários (8,6%) ou assistentes sociais (8,8%).
Profissionais que ganham, em média, menos de R$ 8 mil ao mês.
A alíquota também é menor do que a dos policiais militares (8,9%), cuja renda média total em 2021 ficou em R$ 105 mil (R$ 8.750 ao mês). Ou do que a de médicos (9,4%), que declararam em média renda total de R$ 415 mil (R$ 34,6 mil ao mês).
Fundo dos super-ricos
Prevê a cobrança de 15% a 22,5% sobre rendimentos de fundos exclusivos, também conhecidos como fundos dos ‘super-ricos’.
A medida tributa o capital de residentes brasileiros aplicado em offshores, como aplicações e bens no exterior.
A cobrança será realizada duas vezes ao ano como ‘come-cotas’, diferentemente do modelo atual, em que a tributação é realizada somente no resgate.
Fonte: Especialistas citados na matéria.
Mudança para fortunas é mudança mundial e saída
Com o avanço da reforma tributária, especialistas revelam que não tem saída, taxar grandes fortunas é uma tendência mundial. Seja no Brasil, nos países das América ou na Europa, o desafio é mesmo, equilibrar as contribuições entre os mais ricos e os mais pobres.
A presidente Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, falou sobre a importância da votação do projeto para avançar em direção à segunda parte do projeto, a taxação dos chamados super-ricos. “É um processo fundamental para o crescimento do País e a geração de emprego e renda”, disse.
Alessandra Pizzol, economista, alerta que o desequilíbrio é disfuncional. “Isso ocorre, em boa parte, porque os salários são mais tributados que aplicações financeiras, não podemos dizer que é justo”, afirmou.
Ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock, Morris Pearl, tenta há quase dez anos mudar o entendimento nos EUA. “Quem já é rico, tende a ficar mais rico com o tempo. Enquanto todos os outros estão apenas lutando para permanecerem iguais”, criticou.
Ele articula ao lado do presidente dos EUA, Joe Biden, a taxação de grandes fortunas.
Análise
“Precisamos de uma redução da carga tributária no País”
“Parte importante da renda da parcela mais rica da população é proveniente da distribuição dos lucros das empresas (os dividendos), que hoje são isentos de imposto de renda no Brasil.
Por outro lado, boa parte dos profissionais com renda média e alta paga imposto na fonte sobre os salários recebidos com alíquota máxima de 27,5%.
Essa diferença naturalmente contribui para uma menor alíquota média sobre a renda dos mais ricos.
Entretanto, se formos considerar os impostos pagos pelas empresas brasileiras sobre os lucros (antes da distribuição dos dividendos), chegamos a uma alíquota na casa dos 34% (que indiretamente já é paga pelos acionistas).
Muito mais do que discutir as alíquotas sobre determinadas fontes, precisamos de uma redução em toda a carga tributária no País.”
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