Previsão de maior malha fina da história com cadastro de imóveis
Especialistas e até a Receita Federal fazem essa previsão, devido a sistema sobre imóveis que vai apertar cerco à sonegação fiscal
A maior malha fina da história do Brasil. Essa é a previsão que especialistas fazem para o próximo ano, após o período da declaração do Imposto de Renda. A própria Receita Federal confirma que aumentará o número de contribuintes que precisarão prestar contas de forma minuciosa.
O motivo é o novo sistema para integrar as informações dos imóveis no Brasil. Com o maior controle das rotinas tanto cartorárias quanto financeiras, não declarar integralmente o valor de uma compra e venda, por exemplo, se tornará uma ação mais difícil, diz o advogado João Eugênio Modenesi.
O CIB é um banco de dados com informações sobre imóveis urbanos e rurais em todo o País, suas localizações georreferenciadas, titularidades e dados de matrícula.
O sistema, instituído em 2025, reúne o que já existe na base de dados da Receita Federal, as informações presentes no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), do Incra, e os dados das prefeituras, fortalecendo a quantidade de informações sobre os bens imobiliários.

A questão central é que, com isso, o órgão poderá cruzar essas informações com os dados declarados pelos contribuintes nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e nas declarações de Operações Imobiliárias (DOI) ou de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob).
“O objetivo é reduzir a evasão fiscal e a prática de fraudes, especialmente no setor imobiliário usado por alguns para ocultação de patrimônio”, explica o advogado tributarista Samir Nemer.
As principais situações que devem chamar a atenção da Receita, segundo Nemer, são a compra e venda de imóveis com valores divergentes dos praticados no mercado, doações e heranças subavaliadas para pagar menos Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e a troca ou permuta de imóveis: “Muitas vezes usadas para disfarçar ganho de capital”.
Ele ainda cita os aluguéis não declarados, especialmente em plataformas digitais de locação por temporada; e o uso de “laranjas” ou de pessoas jurídicas de fachada para ocultar a real propriedade, além das construções e reformas cujo custo declarado não corresponde ao padrão do bem.
“O objetivo do sistema da Receita é reduzir a evasão fiscal e a prática de fraudes, especialmente no setor imobiliário Samir Nemer, advogado tributarista
O advogado imobiliário Alencar Ferrugini também salienta que a sonegação em contratos de aluguel, em que o locatário e o locador não declaram no IRPF para não pagar imposto, estão em xeque. “Eles não vão mais poder ter o chamado 'contrato de gaveta'.”
Entenda
1 O que muda na prática?
Com a implementação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e sua integração com o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), o País se prepara para uma transformação profunda na forma de fiscalizar o mercado imobiliário.
O CIB funcionará como um “CPF dos imóveis”: cada propriedade, urbana ou rural, passará a ter um código único de identificação nacional, reunindo informações como matrícula, localização e titularidade.
Já o Sinter será a plataforma que centraliza e organiza as informações, conectando dados de cartórios, prefeituras e diversos órgãos públicos.
Na prática, essa integração permitirá rastreamento detalhado de cada imóvel e de quem o possui, tornando muito mais eficiente a fiscalização e o combate à sonegação no setor.
2 Compra e venda de imóveis
Segundo o advogado João Eugênio Modenesi, com o maior controle das rotinas tanto cartorárias quando financeiras, a Receita acaba inibindo práticas antes consideradas até comuns, como não declarar integralmente o valor da operação, por exemplo.
3 Como será o cruzamento de dados?
A Receita Federal irá cruzar o endereço de residência que uma pessoa informa na sua declaração de imposto de renda (ou em qualquer outro cadastro oficial) com a base de dados do Sinter/CIB.
O sistema identificará imediatamente quem é o proprietário legal daquele imóvel, segundo artigo publicado no site jusbrasil e assinado pelo jurista Thiago Condez.
Se o proprietário do imóvel não declarou rendimentos de aluguel, mas outra pessoa (inquilino) declara residir ali, a Receita Federal presumirá a existência de uma locação informal não declarada.
Isso inverte completamente o ônus da prova: caberá ao proprietário comprovar à Receita por que outra pessoa reside em seu imóvel sem gerar renda tributável (por exemplo, em um contrato de comodato, que também possui regras específicas).
Assim, com a plena operacionalização do sistema prevista para 2026, a última brecha para a locação totalmente informal será fechada.
4 Quem vai fiscalizar?
A fiscalização ficará a cargo da Receita Federal, com suporte técnico do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que gerencia o compartilhamento seguro das informações, de acordo com o presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-ES, Luiz Alberto Musso Leal Neto.
“Documentos e registros imobiliários, como os provenientes dos cartórios e da Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI), passam a ser monitorados em conjunto com os cadastros do CIB. Já o cruzamento de informações pode ocorrer de forma centralizada, automatizada e baseada em dados oficiais atualizados”.
5 O que pode acontecer com quem não se adequar?
O advogado patrimonialista Lucas Judice lembra que, até então, a mentalidade era a de que a investigação da Receita Federal era manual e “por amostragem”.
E, com a ausência de um banco de dados central que compartilhasse quem morava onde e qual era a propriedade de cada bem, a chance de fiscalização era pequena.
“Com a automatização e o uso de cruzamento de dados, a probabilidade de haver um alerta de sonegação é extremamente alta. Se a Receita vai autuar a todos, ainda é um ponto de interrogação. Pode ser que decida autuar os maiores aluguéis ou, aleatoriamente, 10%, 15%, 20%, 30% das declarações de imposto de renda”.
6 Cobrança pode ser retroativa?
O advogado patrimonialista Lucas Judice diz que a cobrança dos tributos pode ser retroativa a 5 anos, com multa, juros e correção monetária.
Assim, o advogado Thiago Condez lembra que o que parece uma pequena economia mensal pode virar uma dívida gigantesca. Segundo ele, a dívida é corrigida pela Selic, aumentando o montante final a ser pago.
Além disso, Thiago Condez cita implicações criminais. “A sonegação fiscal é crime (Lei nº 8.137/90). Uma autuação fiscal pode evoluir para um processo criminal, colocando em risco a liberdade do proprietário”.
7 Quantos contratos devem ser monitorados?
Advogado especialista em Direito Imobiliário, Diovano Rosetti estima que mais de 8 milhões de contratos de locação de imóveis serão monitorados em todo o Brasil.
“No Estado, com base em conversas com corretores e administradores de imóveis, estimo que cerca de 200 mil contratos devem ser monitorados pela Receita Federal”, disse.
8 O que fazer antes de 2026?
Regularizar a situação de seus imóveis é fundamental para evitar maiores prejuízos. Por isso, deve-se adotar algumas medidas, como:
Formalize Imediatamente: Todos os seus contratos de locação devem ser por escrito e refletir os valores reais da transação.
Recolha o Imposto Mensalmente (Carnê-Leão): Para aluguéis recebidos de pessoa física, o recolhimento do imposto via Carnê-Leão é obrigatório e deve ser feito no mês seguinte ao recebimento.
Faça uma Análise Patrimonial: Para investidores e proprietários de vários imóveis, este é o momento ideal para avaliar a estrutura de seus ativos.
A criação de uma Pessoa Jurídica (Holding Patrimonial) para administrar os imóveis pode, em muitos casos, levar a uma tributação significativamente menor que os 27,5% da pessoa física, além de facilitar o planejamento sucessório. Essa decisão exige análise especializada para garantir sua viabilidade.
Comentários