Mulheres brigam na Justiça para não pagar dívidas dos maridos
Decisões recentes têm determinado que elas arquem com obrigação. Uma delas diz ter provas de que ex-parceiro fez débitos com o amante
A Justiça tem condenado mulheres a pagarem as dívidas dos maridos e ex-maridos. E há mulheres brigando para não ter de arcar com os prejuízos do parceiro. Há casos no Estado envolvendo dívidas trabalhistas e processos que se arrastam por anos.
Um deles teve decisão este ano. A Justiça determinou que os bens de mulheres dos sócios de uma empresa deveriam ser penhorados para pagar uma dívida trabalhista.
A decisão, de julho, seguiu relatoria do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-17) Cláudio Armando Couce de Menezes. Ele argumentou que o produto do trabalho dos maridos se reverte em prol do casal, e que o processo de execução fiscal do caso se arrasta desde 2020.
O advogado Eduardo Sarlo disse que esse tipo de decisão não ocorre de forma automática. “A regra geral é que cada um responde por suas obrigações, mas, se a dívida foi em benefício da família, ambos podem ser responsabilizados”, explica, detalhando como exemplos financiamento de imóveis, compra de carros, eletrodomésticos ou viagens.
Quem briga na Justiça para não pagar a dívida do ex-marido é uma moradora do Estado. Ela conversou com a reportagem sob reserva e contou a respeito de seu processo que já se arrasta há 4 anos. Diz que seu ex-marido acumulou dívidas e chegou a falsificar sua assinatura para vender um apartamento.
“Ele quer usar meus bens para pagar as dívidas dele. Mas tenho documentos que mostram que ele vivia uma vida dupla, tendo amantes homens e mulheres. A dívida dele não tem relação com a família, então o valor do imóvel não deveria ser usado”, garantiu.
Segundo o advogado Leonardo Ribeiro, a situação jurídica depende do regime de bens adotado na relação. “Nos de comunhão parcial ou universal, a decisão de um cônjuge pagar o débito do parceiro pode acontecer. Só na separação total de bens cada um responde por sua própria dívida. É um entendimento firmado já pelo STJ”.
Já o advogado Alexandre Dalla Bernardina explica que dívidas contraídas em apostas ou por conta de dependência química ou agiotas podem ficar sob a responsabilidade dos cônjuges, salvo se houver prova da origem do débito.
“É difícil provar que não há relação com a família. Mas, se o cônjuge comprovar, ele fica livre da responsabilidade”.
Bens de madrasta usados para pagar pensão
Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que os bens adquiridos durante casamento ou união estável podem ser usados para garantir o pagamento de pensão alimentícia, mesmo quando registrados apenas em nome da madrasta.
A medida visa impedir que devedores utilizem transferências patrimoniais para fugir da obrigação legal com os filhos. Segundo o tribunal, a obrigação alimentar é personalíssima – ou seja, exclusiva do genitor. Mas o patrimônio formado em conjunto com a nova companheira pode ser alcançado.
Nos regimes mais comuns de casamento — como comunhão parcial ou universal de bens — tudo o que for adquirido durante a união é considerado patrimônio do casal, ainda que formalmente esteja apenas no nome de um deles.
A decisão tem caráter pedagógico ao coibir tentativas de fraude. “Muitos pais informam uma renda inferior à real ou transferem bens para a nova mulher para escapar das responsabilidades, o que afeta diretamente os filhos”, conta a advogada Stephanie Almeida.
Segundo a especialista, não se trata de atingir todo e qualquer bem da madrasta, mas só os adquiridos na constância da união. “O objetivo é impedir que o devedor se esconda atrás do nome do cônjuge para fugir da responsabilidade, já que a obrigação alimentar é direito fundamental dos filhos”, diz.
A advogada Isabela Gregório, especialista em família, frisa que o STJ não está transferindo a obrigação da pensão para a madrasta, mas sim autorizando que os bens comuns sejam utilizados para quitar o débito. “Isso atua como um freio às tentativas de fraude patrimonial. Não adianta colocar tudo no nome da madrasta”, afirma.
Saiba mais
Responsabilidade
As principais informações que determinam a responsabilidade pela dívida de finanças entre casal e o regime de bens escolhido por eles para formalizar a união, como: comunhão parcial, universal e separação total de bens.
No regime de comunhão parcial de bens, o mais comum no Brasil, os bens adquiridos durante o casamento são considerados comuns ao casal, e as dívidas contraídas por um dos cônjuges também são consideradas comuns. Assim, em caso de dívida de um dos cônjuges, ambos poderão ser responsabilizados pela dívida.
No regime de separação de bens, cada cônjuge é responsável pelas dívidas que contraiu individualmente. Portanto, não há responsabilidade solidária entre os cônjuges em relação às dívidas.
No regime de comunhão universal de bens, todos os bens do casal são considerados comuns, inclusive os adquiridos antes do casamento, e as dívidas também são consideradas comuns. Nesse caso, ambos os cônjuges são responsáveis pelas dívidas contraídas pelo casal.
Vale lembrar que a chamada “união estável”, em caso de separação, pode ser configurada como equivalente a um casamento com comunhão parcial de bens.
Pessoal x família
A distinção entre dívidas pessoais e dívidas comuns está na destinação desse passivo que direciona para uma responsabilidade conjunta quando se trata de dívidas contraídas no interesse da família, e estas entram na esfera da responsabilidade de ambos os consortes ou conviventes, qualquer um dos dois que se apresente como contratante, significando que os débitos alheios a essa destinação afetam tão somente a responsabilidade daquele que assumiu o encargo.
As dívidas originadas antes da celebração do casamento, ainda que contempladas ou exigidas na constância do matrimônio, são consideradas dívidas pessoais do cônjuge devedor e, por isso, não podem atingir os bens particulares de seu companheiro.
as dívidas contraídas em benefício da família, ou seja, aquelas atreladas à educação, saúde, moradia, alimentação, além de todas as despesas ordinárias e extraordinárias que favoreçam a subsistência, a comodidade e a estabilidade familiar - considerando o padrão econômico em que a família está inserida – podem atingir os bens comuns e particulares do casal, ainda que as obrigações tenham sido contraídas individualmente por um dos cônjuges.
Exemplos
Uma dívida contraída por um cônjuge que esteja ligada, com provas, a um amante, pode ser considerada dívida pessoal e, por isso não cabe ao outro cônjuge o pagamento.
Já as dívidas resultantes de vício em apostas, jogos ou uso de drogas só poderão ser consideradas dívidas pessoais se houver prova de que há ligação entre a dívida e o vício. Do contrário, a responsabilidade também pode ser do cônjugue.
Fonte: Advogados citados na reportagem e Serasa.
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