INSS “paga” a 5 mil mortos no ES e perde R$ 80 milhões
Tribunal de Contas da União apontou falhas em sistema que levou o INSS a perder R$ 80 milhões no Espírito Santo desde 2016
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O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) fez pagamentos — de forma indevida — a cerca de 5 mil pessoas que já morreram, de 2016 a fevereiro deste ano, o que resultou em uma perda em torno de R$ 80 milhões.
Os números são fruto de estimativa de três especialistas com base em dados do Tribunal de Contas da União (TCU), que aponto, em todo o País, R$ 4,4 bilhões pagos a 275,8 mil pessoas mortas no período.
O cálculo foi feito pela membra da Comissão Especial de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Maria Regina Couto Uliana; pelo economista Marcelo Loyola Fraga; e pela coordenadora-adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário no Estado (IBDP-ES) Renata Prado.

O cálculo leva em conta a proporção do tamanho da população e da economia do Estado em relação a todo o País, que é em torno de 2%.
Auditoria do TCU apontou que a situação ocorreu devido a falhas no Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), administrado pela Dataprev.
Quando identificado o pagamento indevido, o INSS emite uma cobrança administrativa para que os valores sejam devolvidos. Se não houver devolução voluntária, o INSS pode ajuizar uma ação para reaver os valores pagos indevidamente, segundo Maria Regina.
“Na prática, recuperar esse dinheiro é difícil — muitas vezes ele já foi gasto ou os responsáveis não têm como ressarcir. Mas, além da obrigação de devolução, se a família, ciente da morte, continuar movimentando a conta ou usando o benefício, pode responder por estelionato contra a administração pública.”

Renata relatou uma situação em que a polícia encontrou um corpo em decomposição, pois a família não fez o enterro para continuar recebendo. “As principais causas (para o volume de pagamentos indevidos) são problemas de sistema, ausência de informação do óbito e a utilização de documentos dos falecidos, e, erros no cadastro”.
A advogada Luiza Simões disse que “é um problema que mistura tecnologia deficiente, baixa integração entre os órgãos e falhas no cumprimento das obrigações pelos cartórios e familiares”. Já Fraga vê impactos para o governo federal, tanto econômicos quanto na credibilidade.
Entenda
Movimentar conta de morto pode ser crime
Auditoria do TCU
O governo pagou de forma indevida R$ 4,4 bilhões, entre 2016 e 2024, a pessoas que já morreram, devido a falhas no Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), administrado pela Dataprev. Mais de 90% desse valor correspondem a pagamentos de benefícios pelo INSS.
As irregularidades foram identificadas pelo TCU a partir de cruzamentos com outros bancos de dados, como da Receita Federal, por exemplo, pela equipe de auditoria.
Falhas
Muitas famílias não emitem a certidão de óbito do parente morto, e, quando emitem, nem sempre os cartórios cumprem o prazo legal de um dia útil para registrar as informações no sistema — em alguns casos, o atraso passa de 9 dias. Isso cria lacunas que permitem que benefícios continuem sendo pagos indevidamente.
Além disso, há falhas de preenchimento nos registros: campos como CPF, data de nascimento e data do óbito aparecem vazios ou inválidos, dificultando o cruzamento de dados e a detecção automática de pagamentos indevidos. Segundo o TCU, 35% dos registros apresentaram esse tipo de problema.
A periodicidade, as falhas estruturais do Sirc e a descoordenação entre os órgãos responsáveis permitem que pagamentos indevidos continuem ocorrendo, mostrando que os atuais mecanismos de controle ainda não são suficientes ou ágeis como necessário.
Prejuízo
O INSS tem meios de tentar reaver parte dos valores pagos indevidamente, mas isso depende de cada caso. As famílias que se apropriam desses valores indevidamente podem ser obrigadas a devolver o dinheiro e até responder judicialmente.
Soluções
O INSS, por exemplo, tem três meses para adotar medidas de apuração de responsabilidades e sancionar cartórios que não cumpram os prazos legais. A reportagem procurou o órgão, que não respondeu até o fechamento. O Comitê Gestor do Sirc foi orientado a apresentar, em até 120 dias, um plano de ação para integrar dados de óbitos ao sistema e melhorar a gestão das informações.
Fonte: TCU, Maria Regina Uliana, Renata Prado e Luíza Simões.
Oito instituições vetadas de oferecer consignado
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anunciou o cancelamento da autorização de oito instituições financeiras para realizar novas operações de crédito consignado, utilizando a folha de pagamento de benefícios de aposentados e pensionistas como garantia.
Segundo o INSS, a decisão foi tomada após processo administrativo comprovar que as instituições descumpriram regras necessárias para oferecer o consignado “forma adequada e digna aos segurados”.
Esta foi a primeira vez que o INSS cancelou Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) dessa natureza.
O cancelamento dos convênios aconteceu porque as instituições não disponibilizaram o mecanismo “não perturbe” para os clientes. Inspirado na medida criada pela Anatel no setor de telefonia, a opção foi criada para evitar ligações e ofertas recorrentes de crédito consignado das instituições aos aposentados e pensionistas.
Os contratos de créditos que já foram firmados por aposentados permanecem válidos.
No entanto, essas instituições estão proibidas de realizar novas operações ou refinanciamentos com desconto em folha de pagamento dos aposentados e pensionistas.
Saiba mais
Instituições que tiveram o convênio cancelado
CDC Sociedade de Crédito Direto S.A
HBI Sociedade de Crédito Direto S.A.
Banco Seguro S.A.
Via Certa Financiadora S.A.
Casa do Crédito S.A.
Valor Financiamentos
Banco do Nordeste do Brasil S/A
Banco Industrial do Brasil S/A
Análise: “Transformação digital amplia a capacidade de gastar melhor”

“A auditoria do TCU que identificou pagamentos indevidos a beneficiários já mortos escancara um problema estrutural: a baixa qualidade do gasto público. Em vez de recorrer a cortes de direitos ou aumento de tributos, o Brasil precisa olhar para uma terceira via — a eficiência da gestão. Com previsão de mais de R$ 300 bilhões em rombo previdenciário em 2025, não há espaço para desperdícios desse tipo. Melhorar processos internos pode gerar economias bilionárias sem sacrificar políticas sociais.
A inovação, por sua vez, precisa deixar de ser promessa e se tornar prática. O País já dispõe de grandes bases de dados — previdenciárias, civis, hospitalares — mas ainda atua de forma fragmentada. Ferramentas de automação, cruzamento de informações em tempo real e uso de inteligência artificial podem detectar inconsistências antes que elas virem prejuízo. Investir nessa transformação digital é ampliar a capacidade do Estado de gastar melhor. No Brasil, qualidade do gasto não é luxo — é a nova fronteira da responsabilidade fiscal”.
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