Inflação leva famílias a doarem animais de estimação
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Banhos semanais, ração de qualidade e visitas regulares a médicos veterinários se tornaram práticas inviáveis para muitas famílias que têm animais de estimação em seus lares.
Sem ter como arcar com o aumento dos preços de produtos para cuidados com cães e gatos, muitas se viram obrigadas a cortar custos.
E, para centenas de animais, a situação foi pior: eles foram doados ou abandonados pelos seus donos e hoje superlotam os abrigos e Organizações Não Governamentais (ONGs) de todo o Estado.
Um exemplo é o Abrigo Animais Carentes ES, que fica em Vila Velha. Atualmente, cerca de 200 cachorros e 50 gatos estão no local. A voluntária Nayana Rossoni destacou que o número de animais disponíveis no abrigo cresceu assim que começou a pandemia do novo coronavírus, no ano passado.
“Muitas pessoas perderam os empregos e a renda. E o valor dos produtos aumentou muito. Então, começou uma onda de abandono de animais. E foi crescendo a cada dia. Antes a gente via esse número crescer mais no final do ano, mas agora o abrigo está sempre cheio.”
Na Associação SOS Patas e Mãos, em Cachoeiro de Itapemirim, a situação não foi diferente, segundo a presidente Aline Barbieri.
“Os donos entram em contato pedindo para doar os animais. E isso porque as coisas encarecem muito. No começo da pandemia, por exemplo, eu comprava um saco de 25 quilos de ração por R$ 99. Hoje, o mesmo saco está custando R$ 189. E isso porque aqui conseguimos um preço melhor.”
Nisse Fonseca, diretora de saúde da ONG Vira Lata Vira Luxo, na Serra, afirmou que para ter um animal de estimação é preciso que a família esteja com boas condições financeiras. E fatores decorrentes da pandemia, como a alta dos preços e o desemprego, fez com que muitas pessoas desistissem.
“Houve uma oscilação de pessoas querendo animais e desistindo por não conseguir arcar com as despesas. E quem quer ter um animal não pode ter medo de precisar colocar a mão no bolso, pois intercorrências podem acontecer.”
O abandono, segundo Julyanna Resende Barbosa, dona do Abrigo Morada da Floresta, não se restringe a famílias humildes. “Há pessoas de classe média, que chegam em carros bons. Eu estou recusando animais, ou já teria uns três mil. Tenho 40 gatos e 10 cachorros”.
Abandono provoca doença e depressão
A decisão de doar ou abandonar um animal de estimação pode parecer a mais plausível diante de uma situação de aperto econômico. Porém, ela não é a mais indicada pelos inúmeros malefícios que podem ocasionar aos pets, como depressão e possibilidade de doenças. É o que garantem especialistas da área.
“Eles sentem, eles estranham tudo. Mesmo se forem bem tratados, eles vão sentir. O abandono é uma coisa muito ruim. É preciso evitar ao máximo. Pode acontecer de o animal ficar com depressão, ainda mais dependendo de como ele era tratado antes”, pontuou a médica veterinária Manoela Alves Faiçal.
A diretora de saúde da ONG Vira Lata Vira Luxo, Nisse Fonseca, explicou que, ao ficarem depressivos, os animais geralmente perdem o apetite e demoram algum tempo para voltarem ao normal.
“Corre o risco de apresentarem desidratação e anemia. Eles levam no mínimo três meses para voltar a brincar e confiar em outras pessoas”, explicou.
Ela citou um exemplo recente, que aconteceu na ONG. “Um filhote foi adotado, ficou 15 dias com a família e foi devolvido, pois não tinham condições financeiras de cuidar. Ele ficou depressivo, mesmo tendo ficado por pouco tempo com a família”.
Segundo Nisse, a simples visita da família à ONG alguns dias depois foi o suficiente para animar o cachorro. “Só de ter ouvido a voz do adolescente, ele ficou cheio de energia, desesperado, feliz, pulava e lambia. Mas a família não tinha condições financeiras de levar ele novamente”, lembrou.
Nayana Rossoni, voluntária do abrigo Animais Carentes ES, frisou que é importante que as famílias mantenham seus animais, mesmo diante das dificuldades.
“Um animal é um membro da família. Quando são abandonados, ficam tristes, isolados, apáticos. Eles sofrem muito”, enfatizou.
Para Jussara Monjardim Kenupp, presidente da ONG Vira Lata Vira Luxo, entregar um animal em abrigo deve ser a última medida. “Só se não tiver ninguém para cuidar. Ou se o dono estiver acamado, por exemplo. Mas este seria o último caminho”, enfatizou.
A médica veterinária Manoela Alves Faiçal revelou alguns cuidados a serem tomados por quem vai adotar um animal. “Levar para passear, criar uma rotina e dar carinho. Isso é importante”.
Banho em casa e comida natural para cortar despesa
Para evitar o abandono de animais de estimação, os especialistas da área afirmam que é possível que os donos economizem com cuidados como alimentação, banho e tosa. É necessário, no entanto, fazer uma planilha de quais gastos são essenciais e quais podem ser cortados no período de aperto.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os preços dos produtos de alimentação para animais subiram 19,8% na Grande Vitória. Já os serviços de higiene aumentaram 6,47%, enquanto tratamentos em clínicas encareceram 7,21%. Os dados são dos últimos 12 meses.
Para aliviar o bolso, a alimentação pode ser natural, desde que acompanhada por um especialista em nutrição animal. “A indicação é fazer uma dieta balanceada. A pessoa pode dar comida se ela consultar um especialista em nutrição”, explicou o médico veterinário Fadel Chequer.
Nisse Fonseca, diretora de saúde da ONG Vira Lata Vira Luxo, garantiu que, em alguns casos, os banhos podem ser dados em casa. “Se o cachorro não for muito peludo, o banho pode ser dado em casa, desde que sejam tomados alguns cuidados, como com as orelhas do animal”.
E complementou: “Banhos nos mais peludos, que não se sujam muito, precisam ser dados em pet shops. Mas pode ser uma vez por mês”.
Chow-chow entre mais abandonados
Não são somente cachorros vira-latas que são abandonados por seus donos diante da alta da inflação no País, que deixou mais caros os produtos para higiene e cuidados básicos com os animais de estimação. Cachorros de raça também são levados a abrigos e ONGs ou deixados nas ruas.
Como é o caso do chow-chow, que é um dos animais mais abandonados devido ao alto custo que demanda para ser cuidado. Segundo Aline Barbieri, presidente da Associação SOS Patas e Mãos, o motivo é o fato de a raça ter muito pelo.
“É um animal muito peludo e os custos para manutenção são maiores. Tem que tosar sempre e os banhos precisam ser de 15 em 15 dias. Pode dar problema no pelo e ele precisa comer ração de qualidade boa. As pessoas, quando não têm mais condições, acabam abandonando”, disse Aline.
Nisse Fonseca, diretora de saúde da ONG Vira Lata Vira Luxo, afirmou que a raça demanda mais tempo em pet shop, o que encarece ainda mais o custo. “São de duas a quatro horas de trabalho, nunca menos do que isso. O preço do banho e tosa é duas ou três vezes mais do que o de um poodle”.
Aline destacou que a associação recebe cães que podem valer até R$ 5 mil. “Já teve gente abandonando zwergspitz alemão, ou Lulu da Pomerânia, que num canil chega a valer R$ 5 mil. Buldogue francês, que vale uns R$ 3 mil, ou Pug, que vale o mesmo. Isso no Estado, fora daqui valem mais”.
Ela pontuou ainda que boa parte dos animais abandonados são os mais idosos. “Geralmente estes precisam tomar mais remédios, vitaminas e outras coisas. Então, o gasto é maior mesmo. Além disso, a probabilidade de precisar de uma cirurgia é mais alta”.
SAIBA MAIS
Aumento nos custos
- De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os produtos de alimentação para animais subiram 19,8% na Grande Vitória nos últimos 12 meses. Já os serviços de higiene aumentaram 6,47%, enquanto tratamentos em clínicas encareceram 7,21%.
- Especialistas da área deram dicas de como aliviar no bolso e manter a qualidade no cuidado com o animal.
Orientações
- Em primeiro lugar, eles destacaram que é possível substituir ração pela alimentação natural, desde que o animal seja acompanhado por um especialista em nutrição, que vai indicar uma dieta de acordo com o porte do animal, raça e outros fatores.
- Quem optar por ração pode mudar de marca ou comprar pacotes maiores. Estes saem mais baratos do que a compra de vários pacotes menores.
- Se o cachorro tem pouco pelo, é possível que o banho seja dado em casa, adotando alguns cuidados.
- Se for um cachorro peludo, mas que não se suja muito, por exemplo, o banho deve ser dado em pet shop, mas o espaço pode ser uma vez por mês. Nestes casos, a tosa higiênica deve ser de 15 em 15 dias.
- Fazer exercícios regularmente, como caminhadas, ajuda a manter o animal saudável.
- Outra forma de economizar é buscar promoções de produtos de limpeza em atacados e sites na internet.
Fonte: Especialistas ouvidos e pesquisa AT.
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