Governo muda metodologia e some com 223 mil da fila de espera do INSS
Demora na concessão dos benefícios tem impacto no cotidiano das famílias e também gera custos para o setor público
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O Ministério da Previdência divulgou estatísticas da fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com 223,6 mil requerimentos a menos do que o apontado em outro documento oficial produzido pelo próprio governo.
Procurada pela reportagem para explicar a divergência, a pasta redirecionou os questionamentos ao INSS. O órgão, por sua vez, afirmou que os números foram obtidos de fontes distintas e que o boletim com o número maior vai "se adequar" para replicar a metodologia do documento que indicou a fila reduzida.
No início de julho, o ministério e o INSS lançaram o chamado Portal de Transparência Previdenciária, sob a promessa de melhorar o acesso dos cidadãos à situação da fila -cuja persistência tem sido um tema incômodo para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O anúncio contou com a presença do ministro Carlos Lupi e do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, nomeado para o cargo naquele mesmo dia.
Na apresentação, o número de requerimentos em fase administrativa de análise, de acordo com o novo painel, era de 1,2 milhão no mês de junho, dos quais 674,9 mil estavam represados havia mais de 45 dias.
O mesmo ministério produz um documento já tradicional, chamado Beps (Boletim Estatístico da Previdência Social). Ele está em seu 28º volume, ou seja, é publicado desde 1996. O governo disponibiliza os dados digitalizados para os períodos a partir de janeiro de 2004.
No Beps do mês de junho de 2023, a fila de requerimentos em fase administrativa é de 1,42 milhão, dos quais 809,4 mil pedidos aguardavam resposta havia mais de 45 dias.
Os números não incluem os pedidos que dependem da realização de perícia médica, que compõem uma fila paralela. Esses requerimentos somam 596,7 mil, segundo o Portal da Transparência. O Beps não divulga dados sobre estoque de perícias desde abril de 2022.
O INSS afirmou que a diferença nos números "não representa uma inconsistência, mas sim uma metodologia distinta de coleta e análise dos dados".
Segundo o órgão, o Beps incorpora informações da Base de Gestão de Tarefas do INSS e do Suibe (Sistema Único de Informações de Benefícios) para os benefícios por incapacidade.
Já o Portal da Transparência "recorre apenas ao BG Tarefas e aos dados do Departamento de Perícia Médica Federal para os agendamentos relativos aos benefícios por incapacidade". No entanto, a apresentação feita no início de julho pelo ministro e pelo INSS indica também outras fontes de dados, incluindo o próprio Suibe.
"O próprio Beps vai se adequar para usar a mesma metodologia do Portal da Transparência", diz o órgão.
Técnicos da área, ouvidos sob reserva, afirmam que é um problema grave o governo divulgar dois dados diferentes de uma mesma fila de requerimentos administrativos, uma vez que ambos são extraídos da base do INSS.
A sinalização dada, segundo eles, vai inclusive na contramão da pretensão de dar maior transparência aos dados. Além disso, dizem, não vale dizer que a melhor fonte de dados é a que exibe a menor fila.
A presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, avalia que não se trata de mera divergência. "Acho que faltam números. Não se está comparando a mesma fonte, os mesmos números de benefícios e os mesmos números do outro arquivo de benefícios", diz.
Bramante destaca que o Portal da Transparência Previdenciária trouxe um número de 596,7 mil perícias represadas, mas o número se refere apenas aos processos ligados a benefícios por incapacidade temporária.
No entanto, há outras modalidades cuja concessão também depende de perícia, como assistência permanente a pessoas com deficiência ou aposentadoria por invalidez.
"Estão faltando processos e benefícios no número do Portal da Transparência Previdenciária. O Beps está mais completo", afirma Bramante.
Para ela, a nova iniciativa do governo "tem os números que eles querem que estejam ali". "Na verdade, a gente tem um número muito maior do que aquele [para a fila do INSS]", afirma a especialista.
Desde o lançamento do portal, em 5 de julho, a plataforma contém apenas um arquivo, em formato de apresentação, com dados do mês de junho, sem série histórica anterior. Tampouco houve atualização de lá para cá.
Para além da questão dos números, a presidente do IBDP ressalta que a fila segue grande, apesar das recentes iniciativas do governo para tentar diminuir a espera dos beneficiários.
Recentemente, o Executivo retomou o pagamento de bônus por análise extra de processos por peritos e servidores do INSS, na expectativa de acelerar a redução do estoque.
O valor é de R$ 68 por análise adicional em âmbito administrativo e de R$ 75 por avaliação extra na perícia médica.
"É uma medida importante, mas não resolve os problemas. A fila não começou ontem nem vai acabar amanhã. Se analisa de forma irregular, você só muda a fila de lugar, pois vai para recurso ou para a Justiça", diz.
A demora na concessão dos benefícios tem impacto no cotidiano das famílias e também gera custos para o setor público, por causa da necessidade de pagar valores retroativos, os chamados atrasados do INSS, com correção monetária e juros.
A redução dessa fila foi uma das promessas de campanha de Lula, que almeja pôr fim a um problema que já se arrasta desde governos anteriores.
O objetivo é colocar as análises em dia respeitando os prazos de resposta a esses requerimentos. Hoje, há beneficiários que aguardam mais de um ano para conseguir obter uma resposta.
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