Funcionária chamada de macumbeira vence ação no ES
Clínica odontológica foi condenada a pagar R$ 20 mil a profissional após testemunhas confirmarem ofensas dentro do trabalho
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A Justiça do Trabalho condenou uma clínica odontológica da Grande Vitória a pagar indenização por assédio moral a uma operadora de telemarketing vítima de ofensas no trabalho.
Na reclamação trabalhista, a empregada alegou que, durante o contrato de trabalho, sofreu humilhações e perseguições por parte de sua chefe, que a chamava de “macumbeira” e “fedorenta” na frente das outras empregadas.
Testemunhas ouvidas no processo confirmaram as ofensas sofridas pela colega. Segundo elas, a supervisora sempre efetuava comentários sobre a roupa e o cabelo da funcionária e, com frequência, afirmava que “estava fedendo” e que era “macumbeira”.
Uma das testemunhas contou que a gerente levou uma pastora para fazer um momento de oração antes do início da jornada. No culto, a pastora disse que havia um “clima pesado e de trabalhos espirituais” na empresa e a gestora afirmou que a causadora era a “macumbeira” que trabalhava lá.
Os depoimentos confirmaram que a supervisora usava palavrões de “brincadeira”, para se comunicar com a funcionária, a qual chamava de “vagabunda” e “vaca”. A decisão proferida em primeira instância foi confirmada pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES).
Diante da gravidade dos fatos narrados, o relator do acórdão, desembargador Claudio Armando Couce de Menezes, aumentou a indenização para R$ 20 mil. Ainda cabe recurso.
“É certo que brincadeira e descontração, ou o que quer que esteja dentro desta mesma ordem de ideias, são atitudes saudáveis que requalificam o ambiente de trabalho com uma atmosfera leve e positiva. Contudo, é inegável também que ofender a honra, a dignidade e a moral de um ser humano, não representa uma simples brincadeira, mas sim assédio moral”, escreveu. E prosseguiu:
“Principalmente no caso em análise, em que a autora foi violentada moralmente também no que diz respeito às suas crenças religiosas e sua fé individual”.
Para a juíza Denise Alves Tumoli Ferreira, “questões relacionadas à religiosidade não devem ser motivo de chacota ou brincadeira, por acabarem por reiterar ideias preconceituosas no âmbito da sociedade, sobretudo no ambiente de trabalho, local onde se passa a maior parte do dia e que se deve prezar ao máximo pelo clima de respeito nas relações interpessoais”.
Magistrado vê “racismo religioso”
O relator do processo, desembargador Couce de Menezes, considerou as práticas adotadas pela empresa degradantes e causadoras de grave dano moral. Segundo ele, “restou demonstrado pela prova oral que a autora foi vítima de racismo religioso”.
Em sua decisão, o magistrado reforça que a liberdade de consciência e de crença é direito fundamental, cristalizado no art. 5º, VI, da Constituição Federal, sendo assegurado ainda, na forma da lei, o livre exercício dos cultos religiosos e garantida proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
Cita ainda a Lei nº 12.288/2010, conhecida como Estatuto da Igualdade Racial, que visa proteger os cultos religiosos de origem africana, considerados alguns dos mais discriminados no Brasil.
“A Justiça brasileira não pode fechar os olhos para fatos como o ora analisado, em que uma trabalhadora, no seu ambiente de trabalho, foi violentada em razão de sua crença, cuja liberdade é garantida pela Constituição”, disse.
E completou: “A Justiça deve desempenhar papel crucial na proteção dos direitos das comunidades religiosas afro-brasileiras, garantindo o respeito à diversidade religiosa e o combate ao discurso de ódio”.
O voto do relator foi acompanhando por unanimidade pela desembargadora Alzenir Bollesi de Plá Loeffler e pelo desembargador Valdir Donizetti Caixeta.
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