Em crise, Correios vetam pagamento de 'vale-peru' a empregados em 2025
A estatal recentemente prorrogou a vigência do acordo coletivo de trabalho até 15 de dezembro, à exceção justamente da cláusula que previa o benefício
Em grave crise financeira, os Correios vetaram o pagamento de um crédito extra de fim de ano a seus empregados em 2025. Conhecido como "vale-peru", o benefício foi concedido no ano passado no valor de R$ 2.500 por funcionário.
A decisão de proibir o "vale-peru" já foi comunicada aos trabalhadores pelo comando da empresa. A estatal recentemente prorrogou a vigência do acordo coletivo de trabalho até 15 de dezembro, à exceção justamente da cláusula que previa o benefício.
Em 2024, os Correios -que já enfrentavam dificuldades financeiras e amargavam prejuízos crescentes- gastaram cerca de R$ 200 milhões no pagamento do "vale-peru".
Na ocasião, o benefício foi repassado em duas parcelas, sendo a primeira de R$ 1.000 em setembro ou dezembro de 2024 e a segunda de R$ 1.500 até o 5º dia útil de janeiro de 2025.
"O crédito extra previsto nessa cláusula já foi totalmente pago, dentro do prazo, sem nenhum prejuízo para as trabalhadoras e trabalhadores", diz um comunicado divulgado aos funcionários.
A prorrogação do acordo coletivo de trabalho sem o "vale-peru" foi feita diante do impasse entre estatal e funcionários na negociação de um novo acordo para valer em 2025 e 2026.
O documento anterior expirou em 31 de julho deste ano e vem sendo prorrogado seguidas vezes porque, diante das dificuldades financeiras, a empresa não vê espaço para conceder reajuste neste momento.
Na quinta-feira (4), o Sintect-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios, Telégrafos e Similares de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba) aprovou um indicativo de greve para o dia 16 de dezembro, a partir das 22h.
Os Correios precisam de R$ 20 bilhões até o fim de 2026 para bancar um plano de reestruturação da empresa, que prevê regularização de dívidas com fornecedores e bancos, um novo PDV (programa de demissão voluntária) para desligar ao menos 10 mil empregados e a reformulação de cargos e salários e do plano de saúde da companhia.
Para obter esses recursos, a estatal negocia um empréstimo com bancos públicos e privados, mediante concessão de garantia do Tesouro Nacional.
Isso significa que a União vai honrar o pagamento das parcelas em caso de inadimplência, o que torna praticamente nulo o risco de prejuízo para as instituições financeiras.
Como antecipou a Folha de S.Paulo, os Correios chegaram a aprovar em seu conselho de administração a contratação do crédito conforme proposta feita por cinco bancos (Banco do Brasil, BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Safra), mas o Tesouro Nacional rejeitou conceder a garantia devido à alta taxa de juros.
A proposta das instituições previa um custo próximo a 136% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário), ou cerca de 20% ao ano, mas a tabela de custo máximo aprovada pelo comitê de garantias do Tesouro prevê um teto de 120% do CDI (em torno de 18% ao ano) em operações desse tipo com prazo de dez anos.
Desde o anúncio da suspensão, na terça-feira (2), os Correios tentam negociar novamente com os bancos as condições do empréstimo, mas ainda não há solução definitiva.
A conclusão das tratativas do empréstimo é essencial para dar fôlego de caixa à empresa. A companhia acumula prejuízos crescentes desde 2022 e, neste ano, já registra um rombo de R$ 6,1 bilhões até o fim de setembro.
Ao final deste ano, o prejuízo pode se aproximar dos R$ 10 bilhões, segundo projeções internas da companhia.
Sem recursos novos, a situação da estatal pode se agravar. O prejuízo pode chegar a R$ 20 bilhões em 2026, uma vez que os contratos com fornecedores preveem pagamento de multas em caso de atraso -ou seja, um ônus extra para uma empresa já em dificuldades.
O rombo poderia alcançar valores ainda maiores, na casa de R$ 70 bilhões, daqui a cinco anos. Nesse cenário extremo, a empresa estaria em condição de falência e precisaria inclusive demitir empregados, arcando com os custos trabalhistas desses desligamentos (por isso um valor até maior do que hoje é a despesa anual da estatal).
ENTENDA A CRISE DOS CORREIOS
Estatal tem perdas recorrentes desde 2022. Neste ano até setembro, acumulou prejuízo de R$ 6,1 bilhões. Alguns fatores ajudam a explicar a crise:
CONCORRÊNCIA
O fim do monopólio no transporte de encomendas, em 2009, fez os Correios perderem mercado para empresas privadas de logística. A estatal manteve o privilégio para cartas, cartões postais e malas diretas, serviços pelos quais a demanda caiu com o avanço da economia digital
'TAXA DAS BLUSINHAS'
Cobrança de impostos sobre encomendas internacionais de até US$ 50 afetou negativamente a receita dos Correios, que perdeu a exclusividade na importação dessas mercadorias
DESPESAS CRESCENTES
Em 2024, a empresa já enfrentava dificuldades, mas concedeu reajuste linear de 4,11% a mais de 55 mil empregados, além de resgatar cláusulas benevolentes, como o adicional de 70% sobre as férias (trabalhadores costumam receber um terço). Também realizou concurso para preencher mais de 3.000 vagas, mas os aprovados ainda não foram convocados
REDUÇÃO DO CAIXA
Empresa queimou caixa próprio para investir na aquisição de veículos elétricos e itens de tecnologia quando já estava em situação financeira delicada
PLANO DE SAÚDE
Companhia é mantenedora do plano de saúde, sendo responsável por todos os riscos da operadora e por eventuais débitos que surjam. Em 2022, estatuto permitiu que Correios deixassem de ser mantenedores e adotassem o regime de patrocínio, menos oneroso, mas a mudança foi revertida no governo Lula
DESCONTROLE SOBRE AÇÕES JUDICIAIS
Empresa não tinha um diagnóstico preciso das ações das quais é alvo, sobretudo trabalhistas, o que gerou até ressalvas ao balanço feitas pela empresa de consultoria independente. Os gastos com precatórios tiveram um peso relevante no prejuízo da estatal nos últimos trimestres.
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