Condenado a pagar 813 mil ao pedir direito trabalhista
Prestador de serviços alegou ter vínculo e reivindicou 13º, férias e FGTS, mas o juiz entendeu pedido dele como má-fé
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Um profissional foi condenado pela 1 Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim a pagar R$ 813 mil por litigância de má-fé e em honorários de sucumbência — uma espécie de multa aos advogados da parte contrária — após perder uma ação em que exigia o reconhecimento de vínculo empregatício.
O contratado afirmou que no tempo em que prestou serviço à empresa, entre 1997 e 2022, esteve submetido a condições “nos moldes dos demais empregados celetistas”, alegando ter horário fixo, sala própria, chave dos prédios, crachá, cartão pessoal, e-mail corporativo e telefone fixo com ramal.
Na decisão, o juiz entendeu que o trabalhador tinha personalidade jurídica, sendo sócio de quatro empresas e prestando serviço para outras empresas da ré. Na ação, o homem também teve a gratuidade na Justiça negada, por ter renda mensal de R$ 160 mil.
Embora raro em questões trabalhistas, esse tipo de caso não é novidade e representa um problema para a Justiça, como afirma o advogado Guilherme Machado. “Às vezes acontece um problema pessoal e a pessoa entra na Justiça para prejudicar a empresa ou um superior”.
Em junho, a Justiça do Trabalho de Pouso Alegre, em Minas Gerais, também condenou um trabalhador por má-fé ao apresentar alegações falsas contra uma empresa de energia elétrica da qual foi demitido.
Machado explica que o vínculo trabalhista é reconhecido mediante quatro requisitos básicos: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
“O Supremo vem reiteradas vezes reconhecendo as relações de prestadores de serviços por pessoa jurídica (PJ), afastando o vínculo empregatício”, afirma Machado. As chamadas “aventura jurídica” ocorrem, segundo o advogado, por falta de punição.
“A pessoa entra pedindo o valor que bem entender e se perder, o reclamante pede assistência judiciária gratuita. É aquele famoso ‘o não eu já tenho’. Só que muitos dos juízes já estão percebendo isso. Nesse caso, aplica-se a litigância de má-fé e em outros não concede a assistência judiciária gratuita, as custas”.
O advogado trabalhista Alberto Nemer avalia que, nesse caso, ficou claro não haver subordinação. “Ele tinha horário livre, poderia atuar em outros negócios, tinha outras empresas no nome dele. Com base na defesa, o magistrado entendeu que ele estava tentando burlar a legislação”, afirmou.
STF aceita maioria dos pedidos para anular vínculo
De janeiro a agosto de 2023 o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu 204 (63%) de 324 pedidos de empresas para anular decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo de emprego, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), obtido pelo jornal O Estado de São Paulo.
As decisões têm sido questionadas por meio de reclamações. Nesse tipo de recurso, não há análise das provas do processo.
Os ministros apenas avaliam se a sentença, proferida em instância inferior, seguiu ou não a jurisprudência do Supremo.
Na temática da terceirização da atividade-fim ou pejotização, o Supremo recebeu 167 reclamações de empresas visando anular decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo de emprego.
Desses pedidos, 80 (ou 48%) foram atendidos pelos ministros. Os casos envolvem contratos de pessoa jurídica (PJ) que, no entendimento de juízes do trabalho, caracterizam fraude.
ENTENDA
O que pediu o profissional
Ele alegou à Justiça que esteve submetido, entre 1997 e 2022, a condições “nos moldes dos demais empregados celetistas” da empresa e, portanto, teria direito à concessão de benefícios trabalhistas.
Dentre as condições citadas está o horário fixo, sala própria, chave dos prédios, crachá, cartão pessoal, e-mail corporativo e ramal.
O profissional pediu verbas rescisórias, férias, 13º salários, FGTS, multas, indenização por aviso-prévio e seguro-desemprego. Ao todo, o valor da ação soma R$ 3,2 milhões, que também incluem honorários advocatícios.
O que entendeu a Justiça
A Justiça, porém, entendeu que o profissional não possuía relação trabalhista, sendo proprietário de outras empresas, inclusive que prestaram serviços para a ré. O prestador de serviço foi condenado a pagar R$ 487 mil em honorários e R$ 325 mil por litigância de má-fé, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O juiz constatou que o autor, na declaração de Imposto de Renda, nunca afirmou ser empregado, além de ter notas fiscais de prestação de serviços.
E indicou que o próprio profissional disse ter remuneração de R$ 137.357,92, o que deu indício de não ter havido uma relação de emprego tradicional, mas uma relação comercial.
Quando é preciso contratar
O vínculo empregatício tem quatro requisitos levados em consideração pela Justiça: (i) pessoalidade, ou seja, o próprio empregado prestar o serviço; (ii) a não eventualidade, prestando serviço com constância; (iii) a onerosidade, tendo salário fixo mensal, quinzenal, semanal ou diária e (iv) subordinação, devendo satisfação a um superior hierárquico.
Caso essas condições sejam identificadas, o empregador é obrigado a estabelecer vínculo trabalhista, segundo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
No entanto, a reforma trabalhista de 2017 reconheceu a liberdade do empregador em estabelecer outras formas de trabalho.
Terceirização ou outras formas
O STF reconhece a possibilidade de organização da divisão do trabalho não só pela terceirização, mas também de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos.
A Corte também decidiu ser “lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre contratante e empregado.”
Reforma trabalhista
A reforma de 2017 instituiu a possibilidade de o trabalhador que vai à Justiça do Trabalho ser condenado a pagar os honorários do advogado da parte contrária em caso de derrota.
Pejotização
O juiz ainda afastou a justificativa de “pejotização”, ou seja, a ação de contratar um funcionário como pessoa jurídica para fugir de responsabilidades trabalhista.
Segundo o juiz, a empresa da qual o profissional é sócio surgiu antes do início da prestação do serviço.
Fonte: decisão judicial e especialistas
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