Carrefour recua e publica carta de retratação para o Brasil
Até o momento, 23 frigoríficos brasileiros aderiram à suspensão do fornecimento, incluindo gigantes como JBS, Marfrig e Masterboi
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Como esperado, o grupo Carrefour publicou na manhã desta terça-feira (26) uma carta de retratação dirigida ao mercado brasileiro. Alvo de boicote de frigoríficos nacionais, apoiado por políticos e até pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a rede de supermercados diz no comunicado que a carne brasileira tem "alta qualidade e sabor".
"Nossa declaração de apoio à comunidade agrícola francesa na última quarta-feira sobre o tema do acordo de livre comércio com o Mercosul deu origem a discordâncias no Brasil que é nossa responsabilidade resolver. Jamais colocaríamos a agricultura francesa contra a agricultura brasileira, pois nossos dois países compartilham o amor pela terra, sua cultura e a boa comida", diz a carta publicada nesta terça (leia a íntegra abaixo).
O posicionamento do Carrefour ocorre seis dias após o CEO mundial da empresa, Alexandre Bompard, publicar um comunicado nas redes sociais em que anunciava que as lojas francesas não comprariam mais carne vinda do Mercosul, diante do "risco de inundar o mercado francês com uma produção de carne que não respeita suas exigências e normas".
O texto, que tem como pano de fundo as negociações do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, alvo de protestos de agricultores franceses, continua nos perfis do executivo nas redes sociais.
Diz ainda que o mercado francês é abastecido por produtos locais, que precisam ser valorizados, assim como ocorre no Brasil, majoritariamente atendido pelo produto nacional. A manifestação não cita a oposição de Bompard ao acordo União Europeia-Mercosul, que ele manifestou na semana passada em redes sociais. Até a publicação desta reportagem ela continua no ar em seu Instagram.
ENTENDA A CRISE
A declaração inicial do Carrefour global desencadeou um boicote de produtores brasileiros, que deixaram de entregar carne para unidades do Carrefour no Brasil. O movimento recebeu apoio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD). O embaixador francês, Emmanuel Lenain, foi à sede da pasta interceder na situação nesta segunda-feira (25).
A Embaixada do Brasil em Paris também criticou o comunicado do CEO global do Carrefour. "Tal posição não pode justificar uma campanha pública baseada na disseminação generalizada de desinformação sobre os produtos brasileiros."
Até o momento, 23 frigoríficos brasileiros aderiram à suspensão do fornecimento, incluindo gigantes como JBS, Marfrig e Masterboi. Segundo fontes do setor, o desabastecimento já afeta mais de 150 lojas do Carrefour no Brasil.
Consumidores do Carrefour em São Paulo relatam os primeiros reflexos do boicote promovido por frigoríficos brasileiros contra a varejista. Entre 60 clientes entrevistados pela Folha de S.Paulo em três unidades da rede nesta segunda-feira (25), 34 afirmaram já sentir falta de produtos específicos nas prateleiras.
Em nota, o Carrefour Brasil lamentou a situação e reafirmou sua relação com o agronegócio nacional. "Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade", afirmou a empresa.
O Carrefour Brasil é líder no varejo alimentar no país. A filial brasileira é a segunda maior operação do grupo francês no mundo, só perdendo para a França. A Folha de S.Paulo apurou que a diretoria do Carrefour no Brasil entrou em contato com o Ministério da Agricultura e disse que foi "surpreendida" com as declarações feitas por Alexandre Bompard.
Os acionistas do Carrefour no Brasil demonstraram preocupação com os reflexos da crise entre a rede varejista e o governo brasileiro e, segundo uma fonte do alto escalão do governo, se comprometeram a cobrar algum posicionamento diferente de sua matriz na França.
A União Europeia foi destino de 3% das exportações de carnes brasileiras de janeiro a outubro deste ano, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). O bloco europeu comprou 67 mil toneladas de carne bovina.
A França respondeu por 0,02% das vendas externas brasileiras até outubro. Nos primeiros dez meses de 2024, o país europeu comprou 314 toneladas de carnes brasileiras.
A China, principal destino das carnes bovinas produzidas no Brasil, comprou 1 milhão de toneladas –o país responde, sozinho, por quase 50% das carnes brasileiras vendidas ao exterior.
LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO DE IMPRENSA DIVULGADO NESTA TERÇA:
"Nossa declaração de apoio à comunidade agrícola francesa na última quarta-feira sobre o tema do acordo de livre comércio com o Mercosul deu origem a discordâncias no Brasil que é nossa responsabilidade resolver.
Jamais colocaríamos a agricultura francesa contra a agricultura brasileira, pois os dois países compartilham o amor pela terra, sua cultura e a boa comida.
Na França, o Carrefour é o principal parceiro da agricultura francesa. Compramos quase toda a nossa carne francesa na França e continuaremos a fazê-lo. A decisão do Carrefour França não tem a intenção de mudar as regras de um mercado francês que já está amplamente estruturado em torno de cadeias de suprimento locais. Ela garante legitimamente aos agricultores franceses, que estão em meio a uma grave crise, que nosso apoio e nossas compras locais continuarão.
Do outro lado do Atlântico, compramos quase toda a nossa carne brasileira no Brasil, e continuaremos comprando. Esses são os mesmos valores de enraizamento e parceria que inspiraram nosso relacionamento com a comunidade agrícola brasileira por 50 anos, cujo profissionalismo e apego à terra e ao gado conhecemos e avaliamos todos os dias.
Lamentamos que nossa comunicação tenha sido percebida como um questionamento e uma crítica à nossa parceria com a agricultura brasileira.
Temos orgulho de ser o principal parceiro e promotor histórico da agricultura brasileira. Conhecemos melhor do que ninguém os padrões que a carne brasileira atende, sua alta qualidade e seu sabor. Continuaremos a promover os setores agrícolas brasileiros, como temos feito no Brasil há quase 50 anos. Por meio de nosso desenvolvimento, estamos contribuindo para o desenvolvimento dos produtores agrícolas brasileiros, de uma forma que sempre foi baseada em uma parceria construtiva.
O Grupo Carrefour está comprometido em trabalhar, tanto na França quanto no Brasil, por uma agricultura razoável e próspera, seguindo o curso de sua razão de existir, a transição alimentar para todos."
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