Calor já ameaça até a produção de cerveja
Produção de alimentos e até da “loira gelada” está em risco no mundo devido às temperaturas mais altas, com perda de qualidade e escassez
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Carnes, leite, café, milho e até a cerveja estão ameaçados pelas altas temperaturas enfrentadas em todo o mundo. As mudanças climáticas prejudicam a produção agrícola e podem fazer o preço desses produtos subir.
O doutor em Agrometeorologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Eduardo Boffino de Almeida Monteiro, explica que o problema é global e que o aumento das temperaturas está causando alterações nos padrões de chuva e eventos extremos.
“Essas alterações têm um impacto muito forte na agricultura. Nas últimas safras, já foram observadas perdas consideráveis, intensas e numa abrangência territorial muito grande. Neste ano, a tendência é de que essas perdas ocorram de novo, e que seja ainda pior, por conta dos efeitos do El Niño.”
Monteiro cita que, hoje, as culturas mais prejudicadas são a do café e a de frutos em geral, pois o Centro-Sul do País entrará no período forte de plantio na semana que vem.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado (Faes), Júlio Rocha, mostrou preocupação.
“É algo incontrolável, a previsão é de temperaturas altíssimas. Está chegando a época da safra, e o pessoal que plantar sofre o risco de, assim que as sementes germinarem, muitas plantações serem perdidas por conta da temperatura que está sendo prevista.”
O CEO da cervejaria japonesa Asahi, Atsushi Katsuki, alertou que análises constataram que o aquecimento global reduzirá significativamente a produção de cevada e a qualidade do lúpulo nas próximas três décadas.
O El Niño também é citado por pecuaristas como motivo de preocupação, já que os animais podem ficar sem acesso à sombra adequada e correrem risco de desidratação.
Economistas consultados pela reportagem destacaram que os efeitos podem criar escassez mundial de alimentos e, mesmo com o Brasil sendo um dos principais produtores, a população nacional também poderia ser prejudicada.
“Pode haver redução da oferta mundialmente, e o Brasil tende a crescer em termos de exportação, o que reduzirá a oferta aqui também e, assim, pode tornar alguns produtos mais caros”, explica o economista Mário Vasconcelos.
El Niño deve aumentar valor de seguros agrícolas
A preocupação com a safra verão, que começa a ser cultivada em outubro, já está fazendo com que seguros agrícola sejam mais visados. A Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) já estima que, assim como no passado, haverá um crescimento de 30% neste mercado.
As contratações tendem a aumentar com um possível El Niño, fenômeno climático que pode trazer mais chuvas ao Centro-Sul e fazer com que um número maior de produtores da região busque proteção contra perdas no campo.
“Queremos crer que os governos estaduais e federal manterão ou ampliarão programas de subvenção de seguros”, disse o presidente da FenSeg, Joaquim Neto, ao Jornal O Estado de São Paulo.
O economista José Márcio de Barros destacou que essa tendência será cada vez maior por parte dos grandes produtores.
“Esse período do El Niño é marcado pela preocupação, então é comum um movimento em torno da proteção, da realização de seguros para as safras. Isso será uma tendência principalmente para produtos com alto potencial exportável e daqueles agricultores que dependem muito de uma determinada safra”, explicou Barros.
Saiba mais
O que é o El Niño?
El Niño se refere ao aquecimento anormal das águas do Pacífico. Ele altera temporariamente a distribuição de umidade e calor no planeta, principalmente na zona tropical.
A mudança não afeta só a temperatura, mas também os padrões de chuva, em algumas situações causando mais chuvas em determinadas regiões e o inverso também, provocando menos chuvas e seca em outras regiões e épocas do ano.
Além disso, está associado ao aumento de eventos extremos, como recentemente o ciclone extratropical que ocorreu no sul do País e as ondas de calor vistas no Sudeste.
Como vai afetar os alimentos?
O efeito do El Niño já está sendo visto em safras dos últimos anos, onde, no País, houve prejuízo considerável.
O doutor em Agrometeorologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), José Eduardo Boffino de Almeida Monteiro, detalhou que nas safras de 2021 e 2022, houve prejuízos que ultrapassaram os R$ 60 bilhões, e que a tendência é que isso também ocorra este ano.
Ele citou ser comum, nesse contexto do El Niño, haver temperaturas mais altas que o normal no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste do País.
“Mas com essa previsão de temperaturas passando dos 40 graus Celsius em várias dessas regiões brasileiras, há uma tendência disso se agravar porque esse calor vai aumentar a taxa evapotranspirativa, que é a transpiração das plantas. Isso vai agravar o déficit de hidro, que é quando o solo fica com baixo nível de água”, afirmou.
Ou seja, com pouca água, poderá ocorrer, com frequência, morte de plantas por conta das altas temperaturas.
E a pecuária?
A pecuária também será afetada. Francisco Manzi, Diretor Técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), enfatiza que o gado pode sofrer consideravelmente.
“O calor extremo afeta negativamente o desempenho dos animais. Mesmo as raças mais adaptadas a essas condições, como os zebuínos, experimentam uma redução no consumo de alimentos e, consequentemente, no ganho de peso”, detalhou ao portal Agrolink.
As raças zebuínas, incluindo Nelore, Brahman, Cangaian, Gir, Guzera, Sindi e Tabapuã, tendem a apresentar uma melhor resistência. No entanto, em temperaturas tão elevadas, os animais que não têm acesso à sombra adequada correm o risco de desidratação e perda de apetite.
Até o gosto da cerveja pode mudar
Economistas destacaram que o impacto para o consumidor poderá ser grande, já que preços de vários produtos poderão ficar mais caros, seja pela escassez de produção ou por conta de um aumento na exportação.
E até a cerveja está ameaçada: o CEO da cervejaria japonesa Asahi, Atsushi Katsuki, alertou que as mudanças climáticas podem causar falta de cerveja no mundo.
Isso porque as temperaturas mais quentes afetam o fornecimento de cevada e lúpulo ao redor de todo o mundo, e podem levar à escassez da bebida.
Uma alternativa desenvolvida na Alemanha é criar novas variedades de lúpulo mais resistentes à seca e às altas temperaturas. Mas isso pode significar uma mudança no sabor da cerveja e forçar adaptações em receitas da bebida.
Outros setores
O economista Ricardo Paixão detalhou à reportagem que outros setores também podem sofrer com o aumento das temperaturas, por conta do crescimento da necessidade do uso de eletricidade.
“Vários setores serão afetados. O de frios e o de eventos também serão atingidos por conta de um aumento de gasto com eletricidade” explica o economista Ricardo Paixão.
Fontes: Agrolink, Estadão, O Globo, especialistas citados e Pesquisa A Tribuna.
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