Bancos “emprestam” dinheiro para 1.100 aposentados sem autorização
Esse é o número de idosos no Estado que descobriram depósito não solicitado feito pelo banco. Em um caso, o prejuízo chega a 17 mil
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Muitas vezes, com o dinheiro contadinho para cobrir as despesas do mês, aposentados têm se deparado com uma situação que provoca indignação e dor de cabeça extrema: empréstimos bancários sem autorização.
No ano passado, 57.874 queixas de golpes de empréstimo consignado foram registradas em Procons de todo o Brasil. No Estado, são 1.100 vítimas no período de um ano.
Somente o advogado Valber Cruz Cereza, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES) e coordenador Regional do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), atua em mais de 30 processos ajuizados em um ano.
Uma das situações que chamam atenção é de um agricultor aposentado, de 65 anos, que tem seis processos referentes a casos distintos. Somados, o prejuízo já ultrapassa R$ 17 mil.
Segundo ele, são vários tipos de fraudes, incluindo relatos de aposentados que são induzidos ao erro, passam dados sem saber que a finalidade é para empréstimo e até fazem selfie achando que é para atualizar o cadastro no banco.
Há também casos em que o dinheiro é depositado na conta do aposentado sem ele ter solicitado e até mesmo descontos mensais na folha de pagamento sem que o empréstimo tenha caído na conta.
Valber Cereza conta que a orientação inicial é que o consumidor tente resolver os casos nos órgãos de defesa do consumidor e com a própria instituição financeira. Quando não há acordo, o poder judiciário é acionado.
De acordo com ele, os juízes têm determinado a devolução em dobro do valor pago e fixado indenização por dano moral que varia de R$ 3 mil a R$ 5 mil.
No Procon Estadual, de janeiro deste ano até ontem, foram 393 reclamações de consumidores que alegam terem sido surpreendidos com empréstimos indevidos.
A diretora-presidente do Procon-ES, Letícia Coelho Nogueira, explica que os idosos representam cerca de 68,55% dos atendimentos de cálculo e negociação do órgão.
Letícia orientou também que o consumidor adquira o hábito de verificar a cada três meses o extrato de empréstimos consignados, junto ao INSS, por meio do site Meu INSS.
“Caso desconheça a entrada ou retirada da sua conta de alguma quantia em dinheiro, ou ainda, não reconheça algum desconto no seu benefício, procure o Procon-ES”, finaliza a diretora-presidente.
Seguros não solicitados
Sem 1 centavo da aposentadoria
Imagina chegar no banco para sacar o dinheiro da aposentadoria e não encontrar nada. Foi essa a situação enfrentada pelo aposentado Pedro Alves, 78 anos.
“Eu tinha tinha seis seguros no meu nome que eu não tinha feito, apareceu dívida de empréstimo que eu não tinha solicitado. O pagamento do INSS ficava todo lá e eu não tirava um tostão”, contou o aposentado.
Preocupado, ele procurou a ajuda de um escritório de advocacia. A advogada Flávia Lobo explicou que Pedro tem dez ações contra bancos sobre o tema e em praticamente todas já foi demonstrado que ele não contratou empréstimos consignados.
Armadilha
Preocupado antes de aposentar
O professor Ernani Ribeiro Filho, 58, está na expectativa de se aposentar no ano que vem. Ele contou que as notícias envolvendo empréstimo consignado sem solicitação provocam preocupação.
“Você não tem como fazer esse acompanhamento e acaba se surpreendendo. O aposentado receber consignado sem ter solicitado é uma armadilha”.
Ele destacou que imagina que se de 1.000 pessoas que receberem esse dinheiro na conta, uma “agradecer” (ficar com o empréstimo), os bancos ganham dinheiro.
Saiba mais
Procon recebe 393 queixas
Crédito consignado, o que é?
É um empréstimo que tem desconto direto no benefício ou salário de quem o contrata.
Queixas
No Brasil: de janeiro a dezembro de 2022, foram 57.874 queixas de golpes de empréstimo consignado registradas em Procons de todo o País.
No Espírito Santo: em um período de um ano, cerca de 1.100 aposentados foram surpreendidos com empréstimos feitos por bancos e instituições financeiras sem autorização do consumidor.
Neste ano, foram identificados 393 reclamações no Procon Estadual.
Orientações do INSS
Em caso de fraudes ou em que não reconheça o empréstimo, o segurado deve procurar imediatamente a instituição financeira e registrar também sua reclamação no Portal do Consumidor (consumidor.gov.br), para fins de tratamento e exclusão de descontos.
O beneficiário pode solicitar o bloqueio de contratação de operações de crédito consignado por meio do Meu INSS, site ou aplicativo ou pela Central 135, que funciona das 7 horas às 22 horas, de segunda a sábado.
O segurado que se sentir ameaçado pode registrar reclamação na ouvidoria e um Boletim de Ocorrência junto à Polícia.
Depoimento
Descoberta após 2 anos
“Levei um susto ao descobrir um empréstimo de R$ 3.227, que eu não fiz. Detalhe: a descoberta foi feita após dois anos de desconto em folha.
Inicialmente, eles descontavam R$ 125 por mês, mas o valor foi aumentando e hoje é de cerca de R$ 180. São aproximadamente sete anos de descontos, um absurdo. Na época, eu recebi uma ligação de uma mulher que dizia ser funcionária do banco e precisava atualizar meus dados.
Em momento algum ela falou de empréstimo. Procurei o Procon e recorri ao poder judiciário e aguardo uma solução”.
- Edmar Couto Calheira, 65 anos, aposentado.
Alternativa
Situação emergencial
O empréstimo consignado é uma alternativa para situações emergenciais. O aposentado Jair Ramos, 82 anos, por exemplo, já precisou fazer dois empréstimos desse tipo e quitou a ambos.
Sobre um projeto aprovado na Câmara dos Deputados recentemente, que prevê multa para os bancos que disponibilizarem consignado sem solicitação para os aposentados, ele opinou.
“É uma maneira de o banco não insistir nesse dispositivo de empréstimo sem solicitação”, frisou.
Cobrada punição mais rigorosa
No Congresso Nacional, projetos de lei preveem punição para bancos e instituições financeiras que liberarem crédito consignado a aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sem autorização.
Um deles, apresentado pelo ex-deputado Edgar Moury (MDB-PE) e aprovado pela Câmara dos Deputados, mas que ainda passará pelo crivo do Senado Federal, prevê multa a ser paga pelos bancos de 10% do valor do empréstimo.
Especialistas cobram punição mais dura contra irregularidades. Para advogada especialista em Direito Previdenciário Catarine Mulinari a multa de 10% do valor do empréstimo não tem caráter punitivo ou educativo. Na visão dela, é como se “valesse a pena”.
O presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados no Espírito Santo Jânio Araújo destaca que o aposentado tem até 60 dias após ter recebido o dinheiro depositado na sua conta para fazer o pedido de devolução. Já as instituições financeiras têm 45 dias para responder o motivo do erro, sobre o risco de multa.
“Existem aposentados que não conseguem perceber nesse tempo. O projeto vem para coibir, mas se passou do prazo, não é para deixar para lá, procure o Procon e, se não resolver, a Justiça”, aconselhou.
Valber Cruz Cereza, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES), destaca outro projeto, proposto pelo deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP).
O projeto mencionado prevê, como ele destaca, que o dinheiro depositado sem autorização fique integralmente com o aposentado, abordando a questão de uma maneira mais direta e focada nos direitos do consumidor.
“Essa abordagem poderia ser vista como uma solução mais apropriada para tratar do problema dos empréstimos consignados não autorizados, ou seja, ele inibe mais que uma multa de 10% por liberarem crédito consignado a aposentados do INSS sem autorização”, comparou Cereza.
Nesse cenário, segundo ele, o aposentado não está se enriquecendo de maneira injusta ou ilícita, pois ele não está recebendo um ganho financeiro indevido.
“Pelo contrário, o aposentado está sendo prejudicado financeiramente devido ao empréstimo não autorizado, já que esses descontos em seu benefício afetam sua renda disponível”, disse o advogado.
Para ele, devolver o valor integral ao aposentado é uma medida de reparação pelo prejuízo causado pela prática abusiva.
Opiniões
Febraban diz que tem combatido irregularidades
Questionada sobre o projeto de lei aprovado pela Câmara Federal, que prevê multa de 10% do valor do empréstimo, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) garantiu que têm combatido irregularidades.
“A Febraban e seus bancos associados não admitem quaisquer práticas que prejudiquem os consumidores e têm combatido com veemência irregularidades e fraudes em torno da contratação dessa importante forma de crédito”.
Ainda de acordo com a Febraban, a Autorregulação do Crédito Consignado, criada em 2020, já aplicou 1.210 punições a correspondentes bancários por práticas irregulares na oferta e contratação do produto, inclusive com 46 suspensões definitivas de funcionamento.
“Com base nessas premissas, a Febraban dialoga com o parlamento, buscando contribuir com o aperfeiçoamento do projeto com vistas a encontrar o equilíbrio entre a proteção do consumidor e o modelo de comercialização do produto”.
Saiba mais
Projeto de lei prevê multa
A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto de lei que estabelece multa para bancos e financeiras que realizam empréstimos consignados sem solicitação do aposentado. O projeto ainda passará pelo Senado.
A multa prevista é de 10% do valor do empréstimo depositado na conta do aposentado sem solicitação.
Punição branda
Especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam que a multa não tem caráter punitivo ou educativo.
A advogada especialista em Direito Previdenciário Catarine Mulinari, por exemplo, afirmou que se for considerado o patrimônio do banco e o percentual de pessoas que não seguem com o empréstimo mesmo que fraudado, esse valor não fará diferença.
Outra proposta
Um projeto proposto pelo deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) prevê que o dinheiro depositado sem autorização fique integralmente com o aposentado, abordando a questão de uma maneira mais direta e focada nos direitos do consumidor.
Reparação
Para o presidente da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Espírito Santo (OAB-ES), Valber Cruz Cereza, o aposentado não está se enriquecendo de maneira injusta ou ilícita, pois ele não está recebendo um ganho financeiro indevido.
“Pelo contrário, o aposentado está sendo prejudicado financeiramente devido ao empréstimo não autorizado, já que esses descontos em seu benefício afetam sua renda disponível”.
Para ele, devolver o valor integral ao aposentado é uma medida de reparação pelo prejuízo causado pela prática abusiva, e não uma forma de enriquecimento injusto. “A proposta visa corrigir a situação e compensar o dano causado por um empréstimo consignado não autorizado”, afirma.
No seu entendimento, o projeto é uma forma de assegurar justiça e respeito aos direitos do consumidor”.
Análise
“Não se pode abrir mão de processos de segurança”
“Estamos falando de linhas de crédito com inadimplência abaixo da média de mercado, com parcela previamente descontada do salário, para tomadores que geralmente possuem renda estável.
Por isso, as instituições financeiras buscam esses clientes de forma comercialmente agressiva, disputando pedaço a pedaço um mercado lucrativo e bastante resiliente a crises.
Porém, não se pode abrir mão de processos de segurança, como identificação correta do cliente, prestação de informações completas e registro da sua autorização para a realização da operação, seja por assinatura digital ou física.
Se um desses passos não for executado corretamente, abre-se espaço para fraudes, e contratações indevidas, em que o cliente não entendeu a operação ou não prestou sua expressa vontade em fechar o negócio.
Sendo assim, a medida será boa para o consumidor, mas vai trazer para as instituições financeiras a responsabilidade de ajustar processos e efetuar a contratações com a máxima segurança”.
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