Apagão elétrico é motivo de preocupação para especialistas do setor
Hiato entre solar e eólica eleva risco de blecautes, dizem especialistas

Apesar de o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, garantir que o Brasil não corre risco energético, o apagão ocorrido na terça-feira (14) em diversas regiões do País é motivo de preocupação para especialistas do setor, que alertam sobre o risco de mais blecautes.
Segundo especialistas, um dos riscos se deve ao paradoxo resultante da expansão da matriz elétrica a partir de energias renováveis: há momentos de oferta abundante de energia durante dia e noite, mas a transição entre os períodos amplia o risco de blecautes no País.
“Não é falta de energia, é problema na infraestrutura que transmite energia. Hoje temos muita energia. Com o sistema interligado, o Brasil não corre risco energético”, disse o ministro ao explicar o motivo do apagão de ocorrido de terça-feira (14).
No dia 10 de agosto, o País já havia enfrentado uma situação crítica. Enquanto a produção de energia aumentava, o consumo despencava por causa do feriado e da temperatura baixa. Para evitar que o sistema entrasse em colapso e provocasse um apagão, cerca de 90% da geração precisou ser cortada e várias usinas desligadas.
A crise já é comparada ao racionamento de 2001, quando o Brasil teve de implementar um programa de redução do consumo.
Agora, a situação é contrária. A geração está maior que a demanda. Isso ocorre sobretudo por causa da escalada da geração distribuída, aquela produzida pelos consumidores com painéis solares.

“O problema é que, nos horários de transição, principalmente entre 18 horas e 21 horas, há um hiato: a produção solar cai justamente antes da entrada mais forte da eólica, e isso coincide com picos de consumo”, explica o engenheiro eletricista e empresário Carlos Sena.
Esse descompasso aumenta o risco de falhas no sistema. Outro fator de preocupação é a pulverização da geração solar em telhados residenciais e pequenos empreendimentos. Como essa produção está ligada às distribuidoras e não diretamente ao Operador Nacional do Sistema (ONS), ela não é visível nem controlável em tempo real.
O presidente da fabricante de turbinas eólicas Vestas, Eduardo Ricotta, disse que a cadeia de energia eólica corre risco de estrangulamento se não houver solução rápida. Já Sena avalia que, no curto prazo, a tendência é de risco maior, especialmente nos meses de maior consumo.
Entenda
O crescimento
Nos últimos anos, o Brasil expandiu fortemente sua matriz elétrica a partir de fontes renováveis, principalmente solar e eólica.
Isso ocorreu em detrimento de usinas hidrelétricas com reservatórios — praticamente paradas desde a década de 1980 — e de termelétricas, que enfrentaram dificuldades por conta do custo do óleo e da falta de gasodutos para garantir o abastecimento com gás natural.
Como cada fonte gera energia
A geração solar ocorre entre 6h e 18h, atingindo o pico ao meio-dia.
Já a eólica tem perfil diferente: os ventos se intensificam no fim da tarde e durante a madrugada.
Esse desencontro cria um hiato nos momentos de maior consumo, especialmente entre 18h e 21h, período em que a produção solar cai e a eólica ainda não atingiu seu potencial máximo.
O perfil de consumo
O consumo de energia no Brasil também tem seus próprios picos.
Durante o dia, cresce até o fim da manhã, recua no horário de almoço e volta a subir no início da tarde, com o uso intenso de climatização nos escritórios.
O maior pico acontece por volta das 15 horas. À noite, o consumo aumenta novamente, justamente no horário em que a produção renovável está em baixa.
O risco de blecautes

Esse descompasso entre oferta e demanda aumenta o risco de falhas no sistema.
Segundo o engenheiro e empresário Carlos Sena, o País já enfrentou dois episódios graves neste ano, nos quais o Brasil esteve muito próximo de um blackout sistêmico.
Caso houvesse desligamento total, o restabelecimento poderia levar mais de um dia.
A geração que o ONS não enxerga
Cerca de quase 60% da geração solar está fora do controle do ONS, distribuída em pequenas usinas espalhadas nos sistemas das distribuidoras, grande parte consistindo em usinas fotovoltaicas nos telhados das residências, mas tem também a minigeração remota (usinas de até 2.500 kW).
O desafio está nessa chamada geração distribuída, feita em telhados residenciais e pequenos empreendimentos.
Como essa produção é controlada pelas distribuidoras, e não pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), ela não pode ser medida nem ajustada em tempo real.
Uma mudança brusca no clima, por exemplo, pode derrubar em até 5 gigawatts a produção solar em determinada região, o que equivale a quase 10% da carga média do País.
A solução do curtailment
Para lidar com os riscos, o ONS tem recorrido ao curtailment — a limitação da geração renovável. Nesse processo, parte da produção solar e eólica é descartada, e termelétricas são acionadas preventivamente para garantir segurança ao sistema.
No Brasil, a restrição já se aproxima de 20% da geração dessas fontes.
Caminhos para o futuro
A curto prazo, especialistas acreditam que a tendência é de aumento do risco, especialmente nos meses de maior consumo.
Como solução de médio e longo prazo, estão sendo discutidos a contratação de novas usinas termelétricas e até a exigência de que pequenas usinas solares utilizem bancos de bateria para reduzir a intermitência.
Consumo
O consumo médio diário gira em torno de 70.000 MWmédios.
A variação súbita da geração intermitente pode chegar a 5.000 ou 6.000 MWmédios. Percentualmente, isso corresponde de 7 a 8% do consumo.
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