“É chato deixar o vice fora das reuniões”, diz Mourão
Isolado no governo Jair Bolsonaro, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirma que não sabe o que se discute no Planalto.
“É muito chato o presidente fazer uma reunião com os ministros e deixar seu vice-presidente de fora”, diz, em tom de desabafo.
Em entrevista, ele avalia que isso não é bom para a sociedade.
“Eventualmente, eu tenho que substituir o Presidente e, se não sei o que está acontecendo, como vou substituir? Não há condições.”
Durante a conversa, realizada por videoconferência por medidas de isolamento social na pandemia, o vice revelou um exemplo concreto de sua exclusão no governo: ele se ofereceu para chefiar a delegação brasileira nas cúpulas do Clima e da Biodiversidade da ONU, neste ano, mas ficou sem resposta até agora.
Passados dois anos da eleição, o projeto vitorioso nas urnas, do qual o senhor participou, foi desvirtuado?
HAMILTON MOURÃO — Acho que tem se tentado levar avante aquilo que foi prometido na campanha eleitoral. Agora, com as dificuldades, limitações. Às vezes de nossa própria parte, né? Não é simples, porque grande parte das maiores promessas, vamos falar assim, principalmente aquelas ligadas às reformas estruturais do País, tem obrigatoriamente de passar por dentro do Congresso. É uma negociação difícil, não é simples.
A população escolheu o Presidente em um contraponto com o que o País viveu com o PT. Seria um governo que não faria o toma lá dá cá com o Congresso e enfrentaria a corrupção. Nesse sentido, como o senhor vê essa relação que foi estabelecida com o Legislativo?
Em relação ao relacionamento com o Congresso, a gente não pode ser anjo. A realidade é que se você quer ter um governo estável no Brasil, tem de fazer composição. No primeiro momento, o Presidente decidiu não fazer dessa forma.
E, num segundo momento, definiu que tinha de chamar os partidos do Centrão para operar junto com a gente. E, é óbvio, cedeu ministérios. Felizmente, não temos escândalos de corrupção nos ministérios.
Tem um ministro investigado pela Polícia Federal (Ricardo Salles, do Meio Ambiente). Pode ser um desvio de conduta da ação dele como ministro, mas não de uso de recurso público como houve em outras ocasiões, sem querer defender ninguém.
O senhor já disse que sente falta de participar mais do governo. Esse distanciamento tem se tornado nítido com o Presidente, embora o senhor sempre se diga leal. O Presidente e seus filhos têm sido desleais ao alijá-lo?
É muito chato o presidente fazer uma reunião com os ministros e deixar seu vice-presidente de fora. É um sinal muito ruim para a sociedade como um todo. Eu, como vice-presidente, fico sem conhecer, sem saber o que está sendo discutido. Isso não é bom, não faz bem.
Eventualmente, eu tenho que substituir o Presidente e, se não sei o que está acontecendo, como vou substituir? Não há condições. Já deixei claro que eu tenho uma visão de mundo e ele (Bolsonaro) tem outra. Isso é uma realidade.
Pelo que a CPI tem revelado, até que ponto o Brasil foi de fato prejudicado na obtenção de vacinas, e insumos em geral, por figuras do governo terem torpedeado a China?
Não vejo que tenha havido prejuízo ao Brasil. A China tem de distribuir insumo para muita gente, já vacinou em torno de 900 milhões de pessoas, em torno de 60% da população chinesa, e tem distribuído insumos a seu entorno estratégico. Não é simples.
Até onde o senhor acha que as Forças Armadas vão ceder para não incomodar o Presidente?
Não vejo uma questão de ceder para não incomodar. No caso específico do Pazuello (ex-ministro da Saúde) houve uma transgressão, mas sem gravidade. O comandante do Exército optou por lhe dar apenas uma bronca em privado.
O senhor enxerga um divisor de águas nesse caso?
Acendeu uma luz amarela nas Forças. Os próprios comandantes entendem que têm de abrir os braços, estabelecer uma barreira e dizer: “Olha, é daqui para trás. Daqui para a frente ninguém pode ultrapassar”.
Comentários