Coronavírus: Motorista de van escolar morre na fila por vaga em UTI
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Era por volta do meio-dia, na última terça-feira, quando o conversou com a irmã, a auxiliar de armazém Cosmiria Jesus de Ataíde, de 34 anos, por chamada de vídeo.
Do outro lado da linha, ele disse: “Não estou entendendo porque todo mundo daqui está sendo transferido para o hospital, e eu não”. Ele morava em Vila Nova de Colares, na Serra.
Sua irmã, sem imaginar que essa seria a última conversa com Raimundo, respondeu: “Deve ser porque você está melhor de saúde”.
Em seguida, ele fez alguns pedidos. “Encerramos a conversa com ele me pedindo para eu levar roupas para ele e tirar fotos das contas a serem pagas”, contou Cosmiria.
Às 20h30, Raimundo morreu, após parada cardíaca, enquanto aguardava uma vaga na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Estadual Dr. Jayme Santos Neves, na Serra, segundo a família, o que foi confirmado pela prefeitura do município.
No atestado de óbito consta como causa da morte: insuficiência respiratória, síndrome respiratória aguda grave, coronavírus, hipertensão arterial sistêmica. “Não sabíamos que ele era hipertenso”.
A Tribuna – Quais foram os primeiros sintomas do seu irmão?
Cosmiria Jesus de Ataíde – Há cerca de 15 dias, ele tomou vacina contra a gripe e começou a se sentir mal. Foi à UPA de Castelândia (Serra), onde disseram que eram sintomas de gripe. Ele foi medicado e liberado.
Ele melhorou, mas cinco dias depois, teve febre, dor de cabeça, diarreia, e a tosse seca piorou. Na sexta-feira passada, no feriado, foi para a UPA de novo, já com um pouco de dificuldade na respiração. Ele conversava com a gente e, aparentemente, estava estável.
No sábado, dia 2, colocaram uma mangueirinha nele, foi feito exame para coronavírus, mas só soubemos o resultado depois que ele morreu.
Ele dizia que estava com medo por estar com Covid-19?
Não falava em medo, mas estava preocupado com a minha mãe, que no domingo, Dia das Mães, vai completar 69 anos. Ele queria saber se ela e o nosso irmão, de 40 anos, estavam bem.
Como eles estão?
Graças a Deus, a mamãe está bem, dentro do possível, mas o nosso irmão teve sintomas e o levamos direto para o Jayme, pois ficamos com medo de acontecer o mesmo que aconteceu com Raimundo. Só que lá, disseram que a porta de entrada realmente era a UPA. Nós o levamos para a UPA, ele foi medicado e liberado. Está em isolamento domiciliar.
Chegaram a perguntar porque a transferência do seu irmão estava demorando?
Não deu tempo. A gente achava que ele ficaria bem. Foi um baque quando recebemos a notícia. A ficha até agora não caiu.
Como define o seu irmão?
Era alegre. De todos nós, era o mais extrovertido. Conversava com todo mundo, era de amizade fácil. Gostava de viajar com sua moto para a Bahia, terra natal (nasceu em Ilhéus), e Minas Gerais. Deixou muitos amigos, tanto é que ontem (quarta-feira), como eles não puderam se despedir, fizeram uma carreata e passaram aqui em casa buzinando e o homenageando. Era amado e prestativo. Gostava de ajudar o próximo.
Ele tinha sonhos?
Ele não era apegado a coisas materiais. Gostava de viver, de curtir os seus momentos. Há cerca de três anos, comprou um lote aqui mesmo, em Vila Nova de Colares, e pretendia fazer uma casinha simples.
Após essa triste experiência, tem alguma mensagem a deixar?
Não esperem acontecer com alguém que está do seu lado. Tomem cuidado, fiquem em casa, se protejam. A gente nunca imaginava passar por isso, mas, infelizmente, o meu irmão entrou para a estatítista de quem não venceu o coronavírus. Ele se cuidava, lavava as mãos, usava máscara, mas não foi o suficiente. O que conforta é saber que ele era uma pessoa do bem, cristão, e que está em paz.
Prefeitura e Sesa lamentam
A Prefeitura da Serra informou que o paciente Raimundo Costa de Ataíde foi atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Castelândia, onde foram realizados todos os procedimentos padrões de suspeita da Covid-19, e feita coleta para exame.
“O teste rápido de Covid-19 feito na UPA deu positivo. O exame realizado pelo Estado ainda está em análise. A UPA não deixou de fazer nenhum procedimento padrão, inclusive, oferta de oxigênio, enquanto aguardava vaga no Hospital Estadual Jayme Santos Neves”, informou a prefeitura, por nota.
O quadro do paciente, porém, se agravou, evoluindo com parada cardíaca, segundo a prefeitura. A vaga de UTI, segundo a Prefeitura, foi solicitada à Central de Regulação de Vagas, de responsabilidade do governo do Estado.
“Sobre as transferências, há quadros clínicos diversos sendo atendidos na UPA, inclusive os gravíssimos, e as remoções ocorrem de acordo com a regulação do governo”.
Já a Secretaria de Estado da Saúde lamentou a morte do paciente, mas esclareceu que a descrição do quadro clínico não apresentava critérios de internação para leito de Covid-19, já que a evolução descrita pelo serviço era de condição estável, com suporte de teste rápido negativado para o coronavírus.
A Sesa informou ainda que, em caso de urgência, é garantida a utilização da “vaga zero”. Casos graves não necessitam de regulação.
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