Tempo de desacelerar
Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava a pandemia da covid-19 como emergência de saúde pública internacional. Já começávamos a entender que a doença mudaria a vida da humanidade. E, nesses dois anos, completados ontem, fomos aprendendo a viver mais conectados no mundo digital.
A internet e as redes sociais online adquiriram um papel ainda mais inevitável na vida das pessoas, intensificando as transformações comunicacionais, aumentando processos de interação e quebrando ainda mais barreiras geográficas e temporais.
O sociólogo Zygmunt Bauman já dizia que “levar a vida social eletronicamente mediada não é mais uma opção, mas uma necessidade”. E as limitações do território físico geradas pelo isolamento social potencializaram as relações de consumo no digital.
As buscas online, não somente por produtos e serviços, mas também por informações, dicas e inspirações, passaram por novos ares.
Foram momentos de mudanças, carências, perdas e frustrações, vividos em um ciberterritório em que se mostrar bem e feliz tornou-se como uma “exigência”.
Muito do que parecia temporário, vem se mantendo diante de um vírus que chegou sem data para partir e sequelou até aqueles que não foram infectados. Pode isso?
Não deveria, mas o abalo à saúde mental vem sendo transmitido indiretamente, potencializando os problemas psíquicos, causados pelo isolamento social, os números de mortes, as perdas de amigos e familiares ou mesmo pelo desemprego e/ou excesso de trabalho.
A primeira fase da pesquisa do Ministério da Saúde sobre a saúde mental do brasileiro na pandemia verificou uma elevada proporção de ansiedade (86,5%) e uma moderada presença de transtorno de estresse pós-traumático (45,5%).
A pesquisadora Ana Luisa Moreira estuda os sofrimentos psíquicos na pandemia e diz que “o culto à efemeridade nos afasta cada vez mais de nós mesmos, já não há mais espaço para a normalidade e nem tempo para desocupação. Percebe-se a fuga pelo des-ocupar e a ânsia e o desejo por Dez-ocupações (no mínimo!)”.
Por que será que somos tão multivalentes, mas tão ineptos em lidar com nossas fragilidades internas?
Não é simples achar respostas para contradições como essa, herdadas pela sociedade de consumo, cujo rumo Bauman (2008) já descrevia: “Assim caminha a felicidade paradoxal: quanto mais se exprimem as exigências de proximidade emocional e de comunicação intensa, mais as decepções pontuam as existências individuais”.
Nos resta, então, perceber que, se é momento de correr atrás dos prejuízos da pandemia, também é tempo de desacelerar! Aliviar as agendas externas e assumir compromissos com nós mesmos para ressignificar as dores a partir de indagações internas.
Preencher vazios desconhecidos, experimentar sentimentos talvez nunca percebidos, conhecer um “eu” que sequer imaginávamos que existia dentro de nós.
Que o foco do Janeiro Branco – dedicado à saúde mental — permaneça durante todo o ano (ou por toda a vida!), despertando descobertas, sem nos preocupar com os julgamentos que nos cercam.
LU LIMA é jornalista, apresentadora de TV e mestranda em Comunicação e Territorialidade pela Ufes