Sobre racismo e o lugar do branco nesse debate
Leitores do Jornal A Tribuna
Como homem, heterossexual, branco, de classe média, morador de bairro nobre, tenho plena consciência de que estou “sentado em um trono de privilégios sociais”.
Sim, vivo cercado de privilégios: nunca corri o risco de andar à noite e ser estuprado; nunca tive receio de passar por assédio sexual em uma disputa por vaga de estágio ou emprego; nunca tive temor de sofrer uma “batida” da polícia por estar andando na rua, à noite; nunca tive medo de ser agredido ou ofendido por conta da minha orientação sexual; nunca fui submetido aos olhares inquiridores de seguranças de lojas; nunca tive pavor de ser constrangido em uma blitz em decorrência de desconfianças infundadas; nunca senti a angústia de passar fome ou não ter o que dar de comer aos meus filhos...
Enfim, poderia discorrer sobre incontáveis regalias sociais tão somente por ser homem, hétero, branco, de classe média e bem empregado – sem contar o cargo de autoridade que ocupo, o que, por si só, já enseja benesses no ambiente social.
Do alto dos meus privilégios, dos quais tenho consciência – e isso já é um importante passo em direção à evolução social, estou disposto a abrir mão deles em prol do desenvolvimento de uma sociedade mais justa, menos preconceituosa e intolerante.
Não quero ficar num “trono de privilégios”, enquanto outros cidadãos padecem de todo tipo de agressão, violência e humilhação. Desejo que toda pessoa seja abordada e considerada como eu mesmo sou.
Como juiz, busco colocar em prática o tratamento igualitário entre as pessoas, independentemente do sexo, classe social, origem, religião e cor da pele.
Sabedor da minha condição privilegiada, tenho ferramentas para atuar, em nome do Estado, na construção de uma nova sociedade (quiçá uma nova humanidade), em que não haja brancos, amarelos, vermelhos ou pretos, mas apenas humanos, sem que a cor da pele seja uma diferença importante.
Só não devo cair na armadilha de acreditar que posso falar pelos negros a respeito do racismo, que posso discursar, com efetiva propriedade, sobre discriminação racial. Não tenho legitimidade para isso, pois nunca fui alvo do preconceito de cor. É como se um homem pretendesse subestimar a dor do parto. Ora, nesse ponto, só sei da teoria. E a prática é bem mais profunda e dolorida.
Não se pode relativizar a luta do negro por igualdade de tratamento. Não se pode exigir calma, paciência e moderação aos negros, no debate sobre equidade, porque eles já esperaram por séculos por uma mudança de paradigma, que ainda não veio – mas, oxalá, virá.
O comedimento, por outro lado, deve estar na conduta das pessoas brancas. Nós, brancos, precisamos nos dar conta da posição vantajosa que decorre da nossa cor da pele e não cair na tentação de dar palpites depreciativos e desdenhosos (chamar de “mimimi”, p. ex.) sobre uma luta que não é nossa, mas da qual podemos – e devemos – tomar parte, conscientes da própria necessidade de mudança comportamental e cultural. Racismo é assunto de todos, mas a autoridade para falar disso é do negro. O branco é coadjuvante nesse debate. Que seja um coadjuvante ativo.
CARLOS FONSECA é magistrado e escritor.
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