Quando a Justiça é chamada a decidir sobre a fidelidade
Artigo publicado na coluna Tribuna Livre, do Jornal A Tribuna
Leitores do Jornal A Tribuna
Uma notícia um tanto quanto curiosa foi divulgada recentemente: um casal mineiro, por livre e espontânea vontade, resolveu estipular uma cláusula de multa por traição, que incidirá sobre o seu relacionamento a partir do momento que contraírem matrimônio.
O desejo, para muitos inusitado, teve de ser submetido ao Poder Judiciário que, por meio da juíza titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, analisou o pacto realizado pelos nubentes e validou a inclusão da regra no contrato, que prevê multa de R$ 180 mil em caso de traição.
Muitos casais não sabem, mas o pacto antenupcial não é um contrato que possui sua utilidade exclusivamente vinculada à estipulação de um regime de bens ou a preservação do patrimônio particular dos que pretendem se casar.
É também um instrumento por meio do qual os noivos são autorizados a estabelecer quaisquer regras que pretendem fazer vigorar durante a constância da união, sendo um negócio jurídico que não impede a previsão de diretrizes extrapatrimoniais, desde que compatíveis com o que está previsto na legislação brasileira, especialmente com os direitos e garantias fundamentais.
Dentre as referidas regras, estão as que versam sobre repercussões econômicas em um possível término do relacionamento. Seguindo essa linha de raciocínio, não há estranheza alguma na vontade dos nubentes em ver reforçado e positivado o dever de fidelidade, que é inclusive previsto pelo próprio Código Civil Brasileiro.
É salutar que o casal ajuste preceitos e princípios norteadores de seu relacionamento, antes mesmo de contraírem matrimônio. Até porque, nas uniões atuais, a fidelidade nem sempre é uma regra inerte, sendo sua presença dispensada em muitas dinâmicas afetivas modernas, apesar de ainda constar expressamente como um dos deveres do casamento por nosso ordenamento jurídico.
Plausível, portanto, a previsão de multa pelo descumprimento comprovado do dever supracitado, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade e da mínima intervenção estatal na esfera privada, eis que a decisão é fruto da liberdade do casal em regular como se dará sua relação conjugal.
Não obstante, é importante que fique claro e objetivo o que configuraria a prevista “quebra de fidelidade”, já que pode ser praticada (e sentida) de diversas formas, a depender da subjetividade de sentimentos de cada indivíduo, até mesmo de forma virtual, por meio de aplicativos de mensagens ou troca de fotos, por exemplo. Tudo isso deve estar muito bem amarrado e definido para que não haja interpretação dúbia em eventual aplicação da multa.
Também é importante deixar claro que o montante utilizado para a quitação da penalidade seja retirado exclusivamente do patrimônio daquele que violou o dever de fidelidade.
A decisão que autorizou a inclusão da multa é paradigmática e segue o movimento emergente no Direito das Famílias contemporâneo, no sentido de se permitir cada vez mais possibilidades de manifestação da autonomia privada nas relações, abrindo precedente para outros casais que desejam incluir cláusulas existenciais em seus pactos antenupciais, dentre elas, a multa pelo descumprimento do dever de fidelidade.
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