Preconceito contra transtornos mentais ainda existe. E mata!
Com o tema “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”, a redação do Enem 2020 trouxe à tona a discussão sobre a psicofobia, que é o preconceito contra pessoas que apresentam doenças ou transtornos psicológicos. Na ocasião, cerca de dois milhões e meio de pessoas voltaram suas atenções para pensar e discutir sobre esse estigma que aflige milhares de brasileiros.
Um dos textos motivadores da redação tratava de internet e mídias sociais, que “mostram uma face cruel, desempenhando um papel de validação de vida perfeita e criando um ambiente em que tudo deve ser mostrado em seu melhor ângulo”.
Ninguém quer mostrar suas vulnerabilidades, por medo de ser visto como fraco. Isso adoece milhares de pessoas e coloca culpa e vergonha em outras tantas.
É necessário discutir sobre os transtornos mentais e lutar contra o estigma. Se levamos com naturalidade as doenças do corpo, por que não fazemos o mesmo com as mentais?
Por que é tão simples procurar um oftalmologista quando se tem um problema na vista, ou um nutricionista quando se busca uma alimentação saudável, mas é tão difícil aceitar e reconhecer que as doenças mentais existem, podem e devem ser tratadas?
Pessoas com ansiedade ou depressão não escolhem seus diagnósticos. Ter um transtorno mental não é sinal de fraqueza. Doenças mentais têm origens concretas como as doenças do corpo e devem receber a devida atenção. A negligência e a falta de tratamento adequado podem levar ao agravamento do quadro, tal como acontece com as enfermidades físicas.
A nossa mente também precisa estar equilibrada e com os nutrientes certos para funcionar bem. Pense no nosso cérebro como um sistema elétrico: os neurônios são os “fios” e os neurotransmissores são os “condutores”.
Sem os condutores, o impulso não passa e as áreas do cérebro “desligam”. É aí que se desenvolvem doenças e transtornos mentais. É uma questão de química e física. Sem essa química, o cérebro não funciona corretamente. Com o tratamento certo, como terapia e medicação específica, é possível fazer com que a energia volte a circular nas “áreas desligadas” e elas possam voltar a funcionar. Medicações seguras, que não causam dependência e não têm o intuito de dopar o paciente.
Ao longo da história, pessoas com transtornos mentais sempre foram tratadas à margem da sociedade. Por muito tempo, os meios de comunicação de massa, como o cinema, por exemplo, perpetuaram a imagem do “louco”, pessoa agressiva e instável. No Brasil, até meados da década de 1970, quem apresentava sofrimento mental era excluído da sociedade, deixado até o fim da vida em locais que se diziam hospitais psiquiátricos, mas na verdade eram depósito de gente. Gente que ninguém queria por perto.
Aos poucos, a sociedade vem abrindo espaço para problematizar a psicofobia, que virou crime, com pena de prisão de dois a quatro anos. Mas, infelizmente, o preconceito ainda existe. A discussão precisa ser alimentada sempre, porque o estigma contra os transtornos mentais mata.
LETÍCIA MAMERI é médica do trabalho e psiquiatra