O que você faz quando fala?
Leitores do Jornal A Tribuna
Na década de 1940, quando se entendia que a linguagem descrevia a realidade, o filósofo britânico John Austin revoluciona os estudos linguísticos com uma teoria, firmada na abordagem da linguagem ordinária, até hoje conhecida como “Atos de fala”, cunhada na sua obra “How to do things with words”, ou “Quando dizer é fazer – palavras e ação”.
Para Austin, fazemos coisas com nossas palavras, construímos realidades e influenciamos o outro. O filósofo compreende que, ao enunciarmos, praticamos três atos simultâneos: um ato locucionário, que são nossas escolhas para o uso do sistema linguístico (palavras, expressões, gêneros textuais, suportes, entre outras possibilidades); um ato ilocucionário, que é a força, a legitimidade, a autoridade do enunciado locucionário (que leva em consideração quem é o enunciador e quem é o ouvinte); e um ato perlocucionário, que é o efeito do dito sobre o ouvinte (obediência, crença, convencimento, entre outros).
Podemos concordar com Austin, mesmo sem conhecer sua teoria, se nos lembrarmos de “certas conclusões” que nos levam a agir, a questionar, a verificar as declarações de um interlocutor quando suas palavras parecem dizer algo mais ou outra coisa pelo emprego, por exemplo, da ironia ou do humor.
Conforme Austin, para que o ato de fala tenha êxito, é preciso que o enunciador seja reconhecido no seu lugar de fala. Vamos a um exemplo bastante corriqueiro: “Isso são horas?”. Esse ato locucionário pronunciado pelos pais para um filho adolescente que chega tarde da rua não é uma pergunta, para a qual espera-se uma resposta. Esse dito tem força ilocucionária, pela autoridade revestida no ambiente familiar, e configura um ato de repreensão ou reprovação.
Provavelmente, o filho se esmeraria em atos perlocucionários de explicações e pedidos de desculpa aos pais, assim como não agiria dessa mesma forma se o enunciado procedesse de um desconhecido. Outro exemplo, se o ato locucionário fosse “Eu perdoo o seu crime”, nossa interpretação remeteria a origem do ato ilocucionário com efeito de perdão a autoridades do poder judiciário, ou à própria vítima, ou até mesmo a religiosos com atribuição de “ofício das chaves”. Ou, exemplo recente, a indulto de “graça constitucional” decretado pelo presidente da República.
Austin foi pioneiro na visão performativa da linguagem para se obter um resultado, um efeito, um sentido específico, uma intenção, um poder sobre o outro. Por isso, fazemos quando falamos. A partir da leitura desse artigo, caro leitor, espero ter produzido, não um efeito contemplativo, mas um convite à reflexão: O que você faz quando fala? Que efeitos sobre o outro as suas palavras produzem?
Que tipo de realidade e sociedade estamos construindo com nossas ideias, nossos conceitos, nossos valores? E, principalmente, que efeitos o discurso do outro tem sobre nós, sobre nossa vida, sobre o futuro do nosso país? A linguagem é ação sobre o outro, como diz Austin, “ação, talvez, que não poderia ser realizada, ao menos com uma tal precisão, de nenhum outro modo”.
ROSANI MUNIZ MARLOW é doutora em Linguística (Ufes) e docente de Educação Superior
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