O enrolo
Coluna foi publicada no domingo (28)
Dia desses li em um jornal africano um relatório sobre a fome neste planeta. Decidi, a partir dele, buscar mais alguns dados que, isoladamente, pouco diriam – mas cuja mensagem, no conjunto, chega a ser chocante.
Vamos começar considerando que neste planeta 870 milhões de semelhantes nossos passam fome. Isto significa que uma a cada oito pessoas vai dormir com fome todos os dias. Em seguida, meditemos sobre o fato de que a fome ocupa o primeiro lugar na lista de riscos para a saúde – sozinha, ela mata mais gente que a Aids, a malária e a tuberculose combinadas.
A estatística seguinte é dolorosa: um terço de todas as mortes de crianças abaixo de 5 anos nos países em desenvolvimento está relacionado à desnutrição. Mas pensemos nas que sobrevivem: os primeiros mil dias da vida de um ser humano são a fase crítica no que toca à nutrição. Uma dieta adequada ao longo desse período é essencial para evitar uma série de males mentais e físicos na vida adulta.
Vamos, agora, às soluções – e elas são muitas e simples. Para começar, se as mulheres que vivem nas áreas rurais tivessem o mesmo acesso que os homens à terra, tecnologia, aos serviços financeiros e à educação, o número de famintos seria reduzido em quase 150 milhões!
Prossigamos: custa US$ 0,25 por dia alimentar uma criança com todas as vitaminas e nutrientes necessários a um crescimento saudável e regular – cálculos da WFP (World Food Programme – Programa Mundial de Alimentos). Concluiu-se que com menos de US$ 100 dá para alimentar uma criança durante todo ano. É desses números tão simples que muitas verdades começam a aparecer.
Dizem que a corrupção, e só ela, custa ao Brasil US$ 41 bilhões a cada ano. Fiz algumas contas e concluí que, com esse dinheiro, daria para nutrir 410 milhões de crianças ao longo de todo ano. Sim, só com o que se desvia no Brasil alimentaríamos quase a metade dos famintos do planeta todo.
Mudemos de escala: segundo cálculos do Banco Mundial, a corrupção custa ao mundo não menos que US$ 1 trilhão. Voltei à calculadora e concluí que, com essa dinheirama, resolveríamos o problema da fome de 10 bilhões pessoas – umas 11 vezes o total atual de famintos do mundo inteiro.
A conta é assustadoramente simples: se a roubalheira – e só ela – acabasse, poderíamos eliminar os famintos do planeta inteiro e ainda sobraria para atendermos outros 11, acabando com a fome das crianças de Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão e de mais dois de algum outro sistema. Seríamos os benfeitores da galáxia!
E só com os alimentos desperdiçados nos EUA e na Europa, seria possível alimentar a humanidade inteira três vezes! Aqui mesmo no Brasil, segundo cálculos realizados pela ONU/FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), 64% de tudo que é plantado se perdem na produção, distribuição e consumo.
Vejam que só falamos, aqui, do óbvio ululante. Porém, há alguns dias, sustentou-se que com o preço de um batom dá para nutrir um refugiado lá do Quênia por três semanas. Então é isso: a culpa da fome é dos consumidores de batom.