Kelsen, Schmitt e o debate sobre custódia constitucional
Artigo publicado na coluna Tribuna Livre, do Jornal A Tribuna
Leitores do Jornal A Tribuna
Após a rendição da Alemanha e da Áustria, na Primeira Guerra Mundial, foi instituído o regime republicano nestes países, trazendo à tona a discussão sobre os fundamentos da democracia e do governo genuinamente constitucional, protagonizado principalmente por Hans Kelsen e Carl Schmitt. Uma questão que logo emergiu deste debate relaciona-se à custódia constitucional.
Ao colaborar na redação da Constituição da Áustria, Kelsen fez com que se criasse um órgão judicial – a Corte Constitucional –, que em seu entendimento figurava como o único competente para exercer o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo e do Executivo.
A Constituição de Weimar, a reger toda Alemanha, não obstante o caráter essencialmente democrático e progressista, manteve em seu Art. 48 poderes imperiais para o Reich Presidente, razão pela qual Kelsen identificou no abuso das medidas provisórias ou decretos de necessidade, a principal causa da falência daquela Constituição.
Para Schmitt, entretanto, o “Guardião” da Constituição deveria ser o presidente, pois em sua visão todo controle judicial é um ato a posteriori, ou seja, o papel dos tribunais consiste basicamente na subsunção do fato a uma norma, predeterminada pela lei, não se podendo, pois, estar acima desta e do legislador.
Por outro lado, sendo o Parlamento constituído por partidos que se digladiam pelo poder, não são capazes de sequer lidar com as crises política e econômica, quanto mais proteger a Constituição, função que exige um poder neutro, ou seja, o presidente, máxima autoridade política, dotado de atribuições especiais para garantir o funcionamento dos demais poderes e da própria Constituição.
Kelsen, por sua vez, denuncia a natureza ideológica da tese de Schmitt, que, em sua opinião, é herdeira não apenas do princípio monárquico, mas também tributária de duas concepções anacrônicas, a saber, (i) que a decisão judicial já está contida pronta na lei, sendo apenas deduzida dela mediante operação lógica, e (ii) a de que “o direito subjetivo não passa de um expediente técnico para a garantia da ordem estatal”.
Além disso, Kelsen argumentava que, nos casos mais importantes de violação constitucional, Parlamento e governo seriam partes litigantes, o que, de fato, legitimaria o reconhecimento do Judiciário como o poder neutro livre das tensões entre os dois.
Na Alemanha, a posição de Schmitt venceu. Ao superestimar o poder presidencial em detrimento do Parlamento e do Poder Judiciário ela favoreceu a crise política que culminou na totalitarização do Estado alemão.
Os efeitos práticos disso, sobretudo no que concerne à definição daqueles que são amigos e inimigos evidenciam-se no recrudescimento das medidas de exceção contra supostos opositores políticos, bem como na promulgação das leis de Nuremberg, que institucionalizou a política anti-semita e racista, ao mesmo tempo em que transformou Hitler no Führer, desencadeando a 2ª Guerra Mundial e, subsequentemente, o holocausto.
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