Flexibilização ou precarização do trabalho?
Confira a coluna desta quarta-feira (30)
A pejotização voltou ao centro do debate jurídico nacional. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e discussões nos tribunais trabalhistas reacenderam a polêmica sobre a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, por meio de CNPJ, em situações que se assemelham a vínculos formais de emprego.
Em linhas gerais, a prática consiste em substituir o contrato de trabalho tradicional por contratos civis ou comerciais com empresas individuais. Em muitos casos, o intuito é apenas reduzir encargos trabalhistas e tributos.
Quando, porém, persistem elementos típicos da relação empregatícia — como subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade —, há indicativo de fraude à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A maior preocupação está na chamada “pejotização forçada”, em que profissionais são obrigados a abrir empresa para manter seus empregos. Nesses casos, perdem-se direitos como férias, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e estabilidade, transferindo-se ao trabalhador todos os riscos da atividade e deixando-o desprotegido diante de uma rescisão. A prática fere a Constituição de 1988 e afronta a dignidade da pessoa humana.
É preciso, no entanto, evitar uma visão maniqueísta. Nem toda contratação por CNPJ é irregular. Há contextos legítimos em que a autonomia e a independência técnica justificam a ausência de vínculo. Profissionais de TI (Tecnologia da Informação), saúde, consultoria e audiovisual, por exemplo, muitas vezes têm liberdade para definir tempo, local e forma de trabalho. Nesses casos, a pejotização pode representar uma alternativa válida, alinhada à livre iniciativa e à liberdade contratual.
O STF já reconheceu a legalidade da terceirização em qualquer atividade da empresa, inclusive a atividade-fim, desde que respeitados os direitos dos trabalhadores e ausente a subordinação direta. Também validou a contratação de médicos via pessoa jurídica, desde que não haja hierarquia.
No Espírito Santo, são crescentes as ações que discutem a legalidade de contratos de prestação de serviços que, na prática, escondem relações de emprego. Nessas situações, cabe ao Judiciário aplicar o princípio da primazia da realidade, essencial ao Direito do Trabalho.
O desafio está em equilibrar a modernização e a proteção. A pejotização, quando usada de forma ética, pode ser instrumento de adaptação aos novos modelos da economia digital. Seu uso fraudulento, contudo, deve ser identificado, combatido e punido.
Flexibilizar não pode significar precarizar. Inovar não pode significar suprimir direitos. O caminho está em construir relações de trabalho mais flexíveis, mas que preservem a função social do contrato e o compromisso com a justiça social.
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