Aquilo que não é visto
Leitores do Jornal A Tribuna
Hoje, qualquer possibilidade de uma verdadeira e radical mudança é invisível aos nossos olhos. O futuro é um coquetel desconhecido entre o previsível e o imprevisível. O previsível, hoje, está sendo prometido como a única possibilidade real e racional, o mesmo de sempre com nova vestimenta.
A pandemia que hoje assola o mundo é assustadora, completamente visível porque atinge também as classes sociais privilegiadas que sempre estiveram distantes e protegidas das piores fatalidades, como a miséria, a fome, a exclusão.
Para nós privilegiados, essas fatalidades são desgraças invisíveis que se passam como num filme onde somos meros espectadores, plenos beneficiários dos inúmeros avanços tecnológicos, econômicos, sociais e culturais disponíveis no planeta (apenas 1% da população mundial concentra em suas mãos 90% de tudo que é produzido no mundo, de acordo com a Organização não governamental britânica Oxfam).
Desde a consolidação do neoliberalismo no governo de Margaret Thatcher, frente à primeira grande crise econômica do pós-guerra nos anos 1970, como também na crise de 2008, “essas crises impuseram o implacável direito de uma minoria de explorar, marginalizar e empobrecer as maiorias sociais” (Juan Antonio Molina – A pandemia e o fim do neoliberalismo - escritor e jornalista espanhol).
Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, em seu artigo “o fim do neoliberalismo” aponta as consequências negativas da aplicação das políticas neoliberais: “reformas trabalhistas destinadas a enfraquecer os sindicatos e facilitar a demissão dos trabalhadores, bem como políticas de austeridade que tentam diminuir a proteção social por meio de cortes no gasto público social (e por consequência) no bem-estar das classes populares”.
A crise econômica que já está encaminhada e que provavelmente vai se agravar no pós-pandemia será paga por quem? Todos nós sabemos por quem.
Em resumo, por detrás dessa ameaça da pandemia, de grande visibilidade, se encontram invisíveis, para quem não consegue ver, a fome, a miséria e a exclusão, desgraças que jamais combatemos com a devida prioridade e urgência, mas sempre foram relegadas por essa gigantesca “máquina capitalista do desperdício” de alimentos, de medicamentos e de recursos econômicos que poderiam em um sistema socioeconômico mais justo e humano ter extirpado a miséria do planeta, mas que se restringiram a atender as ilimitadas necessidades consumistas da minoria privilegiada desse planeta (incluindo nós).
Daniel Feldmann (professor da USP) sustenta que “sem alterar a dinâmica da própria racionalidade capitalista, que sustenta a ‘lógica do valor como o esteio das relações sociais’ não será possível sair do beco sem saída em que estamos... o questionamento dessa racionalidade é fundamental para que haja uma mudança... sem atacarmos o modo de sociabilidade vigente não é possível nenhuma reconciliação entre aquilo que se chama economia e a vida”.
Ouvi uma vez uma definição de Economia como “a ciência da escassez”. Será que o problema do mundo atual é a escassez? Duvido. Essa é a verdadeira ameaça que subjaz invisível, não aos nossos olhos, mas à nossa reflexão.
JOÃO SANTACRUZ é auditor-fiscal aposentado da Receita Federal do Brasil no Espírito Santo.
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