A positividade tóxica e o tratamento de câncer
Leitores do Jornal A Tribuna
O tratamento oncológico envolve uma complexa teia de saberes medicinais, mas exige, do paciente e de sua família, uma igualmente sofisticada rede de apoio e também de inteligência emocional.
Os cânceres são doenças ainda cercadas de muitos estigmas e a descoberta do diagnóstico causa uma compreensível sensação de medo e angústia. Esses sentimentos se dirigem ao receio da perda de cabelo, ao temor pelos efeitos colaterais do tratamento radio ou quimioterápico e a inúmeras outras questões psicológicas que surgem para o paciente.
Dentro desse contexto e no esforço para tentar motivá-lo, frases e incentivos positivos são muitas vezes vistos, mas é preciso ter cuidado para não incorrer em um termo que tem entrado na moda: a positividade tóxica.
A positividade tóxica se caracteriza quando tentamos impor a nós mesmos, ou aos outros, uma atitude falsamente positiva, generalizando um estado feliz e otimista seja qual for a situação, silenciando nossas emoções “negativas” ou as dos outros.
Embora existam benefícios em ser otimista e pensar positivo, a positividade tóxica consiste em rejeitar as emoções ruins, negando a existência das emoções negativas que, todos sabemos, fazem parte da vida e também precisam ser expressadas.
Durante o diagnóstico do câncer e o tratamento oncológico, a positividade tóxica é especialmente prejudicial, já que esse comportamento pode fazer com que as pessoas que estejam passando por essas situações difíceis se sintam invalidadas e não ouvidas.
Frequentemente, esse comportamento vem da rede de apoio do paciente, de pessoas que acreditam genuinamente que estão encorajando a pessoa que enfrenta o tratamento. Mas esse caminho desconsidera as emoções do doente e pode prejudicar sua saúde, já que a psicologia afirma que suprimir emoções negativas não é saudável para o equilíbrio psicológico. É desonesto, em relação a quem somos, permitir-nos apenas expressões positivas.
Afinal, é normal sentir medo, angústia, raiva e tristeza. Quando ignoramos nossas emoções negativas, nosso corpo pode começar a manifestar esses sinais. Suprimir as emoções nos esgota mental e fisicamente e não é sustentável a longo prazo. Isso não significa que o paciente deva deixar que essas emoções negativas o dominem e causem estragos em sua vida e seus relacionamentos.
Ao gerenciar as emoções negativas entendemos o porquê estamos sentindo aquele sentimento e, a partir disso, podemos aprender a lidar com esse sentimento.
A ideia de gerenciar emoções negativas é complexa. Afinal, para trabalhar as emoções negativas, você não pode ignorá-las, mas sim descobrir uma forma de lidar com elas de forma saudável. Por isso é tão importante que os pacientes em tratamento oncológico acolham a necessidade de atendimento psicológico, que não deve ser visto com um paliativo, mas como uma forma de autocuidado que deve ser levada para além do tratamento.
Encontrar o ponto certo de acolhimento para que nossa positividade não seja tóxica e invasiva é qualificar nosso afeto e respeito a nós mesmos e ao outro.
Juliana Alvarenga é oncologista clínica.
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