Sobre trânsito, legislação e educação
Coluna foi publicada nesta terça-feira (17)
A cada tragédia no trânsito, vemos o foco das discussões na punição do infrator e na necessidade de mais radares. Vemos o fracasso do brasileiro como um povo que lida com trânsito. A população olha para a legislação de trânsito como uma forma de justificar comportamentos, querendo fundamentar um direito a qualquer custo — quando é a seu favor — ou fundamentar punição para o “outro”. Punição, no caso, só para o “outro”.
Não importa se a pessoa é motorista, motociclista, ciclista ou pedestre. O brasileiro não quer se ajustar às normas de trânsito para prevenção. Em boa parte do tempo, quer “direitos”, e parece que vale até inventá-los, como o motociclista que inventou o direito ao “corredor” entre os carros; o condutor da bike elétrica que usa a calçada de pedestres; o ciclista que acha que pode ir na contramão da via e o motorista lento que trafega na pista da esquerda.
O pedestre também não passa despercebido. Sim, ele, igualmente, está submetido a deveres na lei de trânsito. O que dizer de quem atravessa na faixa, mas falando ao celular, sem atenção? A lista de incongruências é enorme e vai além desses exemplos.
A lei de trânsito é uma lei de “prevenção”. É para evitar que o pior ocorra. Um exemplo direto: não se nega ao pedestre o direito de cruzar a faixa de pedestre, mas que o faça com a devida atenção! É um direito com um dever. E qual é a razão para isso? Pouco importa estar na faixa de pedestre, sem atenção, e ser atropelado no meio da travessia!
A lei de trânsito, na sua gênese, não quer como primeira meta punir um atropelamento. Ela tem como primeiríssima meta evitar o atropelamento! Ainda que, para isso, precise demandar do próprio pedestre atenção no ato de cruzar a faixa. Terrível ler isso, não? Ainda mais quando plantaram na cabeça do pedestre, ao longo de 30 anos, que “ele tem preferência”, como se isso fosse um salvo conduto contra acidentes. Pedestre deve exercer seu direito, mas também cumprir o dever de atenção!
O parágrafo anterior não pretende colocar “culpa” em nenhum pedestre ou retirar a “culpa” de qualquer motorista. Apenas demonstra que a intenção da lei é evitar o atropelamento, o acidente, o choque entre bicicleta e pedestre e assim por diante. E não pensem que discordo que a punição deva ser severa: sim, a sanção é necessária e deve ser rigorosa, mas sem esquecer que a sanção não pode ser a preocupação principal.
Não é à toa que vemos, diariamente, os mesmos comportamentos bizarros. Em perímetro urbano, os crimes de trânsito são, em última análise, o descumprimento de regras simples de civilidade. “Não ultrapasse o sinal vermelho”. É pedir muito? Em um país civilizado, não. Mas é muito num país onde o condutor só acredita que vai esperar uma multa chegar pelo correio.
Choremos enquanto sociedade. Agora é esperar o discurso de mais radares, mais contratos, mais conversão de vidas em moeda corrente. Tudo ao custo de milhares de tragédias anunciadas.