Prostituição intelectual e a patologia cognitiva funcional
Leia a coluna desta quinta-feira (09)
A expressão “prostituição intelectual” evoca, à primeira vista, um julgamento severo acerca da conduta ética de profissionais que, munidos de conhecimento e habilidades, optam por utilizá-los de maneira distorcida ou manipulada. Trata-se de uma metáfora contundente, mas necessária, para descrever casos em que princípios são subvertidos em favor de interesses particulares, ignorando a moralidade e a verdade.
Quando um profissional escolhe interpretar normas, leis ou dados de maneira distorcida a fim de defender ou justificar interesses incompatíveis com a realidade objetiva, ele se coloca em uma posição de descrédito e compromete a integridade de seu ofício.
No campo jurídico, essa realidade se torna ainda mais sensível. Os operadores do Direito carregam a responsabilidade de zelar pela justiça, de modo que qualquer desvio ético na interpretação ou aplicação de normas repercute diretamente na vida das partes envolvidas.
Quando o foco se desloca da substância do argumento para a forma como ele é apresentado, abre-se espaço para equívocos interpretativos que desviam o processo de seu objetivo central: a busca pela verdade e pela justiça.
Recentemente, vivenciei uma situação emblemática que ilustra muito bem a questão. Em uma demanda, ao constatar a flagrante má-fé na apresentação de uma interpretação teratológica atribuída à cláusula de uma convenção coletiva, em réplica utilizei a expressão “prostituição intelectual” para descrever a conduta da parte adversa. Todavia, ao invés de analisar a substância da questão suscitada, o douto Juízo se desviou do foco para rotular a linguagem como inadequada, determinando o envio de ofício à OAB contra esse causídico.
Esse episódio revela um fenômeno preocupante: a degradação da capacidade de interpretação crítica; uma patologia cognitiva funcional. Trata-se de uma condição simbólica que descreve a dificuldade ou relutância em compreender contextos, nuances e intenções por trás das palavras, limitando a análise a julgamentos superficiais, evidenciando um colapso no processo interpretativo, no qual a forma prevalece sobre o conteúdo, e a sensibilidade supera a racionalidade.
Nesse sentido, questiona-se: até que ponto a incapacidade de enxergar além das palavras compromete a construção do saber e a aplicação da justiça?
A prostituição intelectual e a patologia cognitiva funcional são faces de um mesmo problema. Enquanto a primeira expõe a disposição em negociar valores por conveniência, a segunda revela a fragilidade em compreender ideias complexas sem se deixar influenciar por vieses emocionais ou ideológicos.
A manutenção da integridade intelectual e do rigor interpretativo não é apenas um compromisso ético, mas também um alicerce para o funcionamento saudável das instituições e do próprio convívio social. A preservação desses valores requer vigilância, coragem e compromisso com a verdade, mesmo quando ela vá de encontro aos seus interesses primários.