Medalhas pretas e douradas
Confira a coluna publicada em A Tribuna nesta terça-feira
Acostumados ao senso comum, ao ouvirmos a palavra queniano, dificilmente mentalizaremos imagem diferente da que retrata um atleta de corridas preto, magro, veloz e vencedor! Até o Google remete a isso! É o que basta para definir um país e um povo que vai muito além disso. Porém, que, como tantos outros, pouco atrai o interesse quanto aos seus demais importantes aspectos que dizem respeito a um mundo chamado de globalizado.
Aliás, de tão globalizado que, na Maratona de Chicago, ocorrida em 13 de outubro deste ano, com os atletas pretos e pretas à frente, como é comum mundo afora em que estão presentes, destacavam-se os coloridíssimos supertênis que calçavam, seguramente, cada vez mais distantes da realidade da maioria. Porém, significativos para efeito daqueles preciosos segundos entre a glória e o quase.
Ao se referir a essa revolução tecnológica dos tênis, Jonathan W. Rosen (autor em MIT Technology Review, 17 de julho deste ano), destaca que “em poucos lugares seu efeito foi mais pronunciado do que no Quênia, onde correr não é apenas um esporte, mas uma estratégia de saída de uma vida de pobreza.
Nesse sentido, os novos tênis de alta tecnologia são uma espécie de bênção mista, dando um impulso aos corredores estabelecidos com patrocínios de empresas e, ao mesmo tempo, formando um obstáculo para aqueles que ainda anseiam por sua grande chance”.
Extrai-se, ainda, do detalhado texto: “Entre a legião de sonhadores de Iten (no Quênia), Kandie tem mais sorte do que a maioria: seus pais a veem como um futuro ganha-pão, por isso apoiaram sua busca e até venderam um terreno agrícola para que pudessem comprar para ela um par de (...) verde e rosa neon...”.
Logo, “bênção mista” é uma boa definição para essa revolução, já que, sendo inegáveis seus benefícios, por outro lado, aumenta para distância “ironmétrica” a que a separa do enorme contingente que ainda vive realidade próxima de 1960, quando o africano Abebe Bikila venceu a Maratona dos Jogos Olímpicos de Roma, utilizando como “amortecimento” a própria sola dos seus pés descalços.
Em comum, tanto naquela época (aliás, bem antes dela!), quanto nesta, são as dificílimas páginas muito bem escritas, à frente, pelos pretos e pretas, nessa história.
No contexto, põe-se a pensar sobre movimento também marcante desse nosso mundo globalizado, que, longe de se propor à diminuição de barreiras e promoção mais efetiva dessas nações de origem, cuida em delas pinçar destacados atletas, para, cada vez mais, competirem por outros países.
No fundo, como costumo refletir: só não revelamos mais campeões por culpa nossa, pois cada nascimento traz consigo seus troféus!
Por fim, em termos de Brasil, um destaque especial para as mulheres, que, apesar de comumente superarem histórias mais desafiadoras, nas recentes Olimpíadas de Paris, conquistaram nossas três medalhas mais cobiçadas. Por sinal, todas elas douradas e pretas!
LUIZ ANTÔNIO DE SOUZA SILVA é promotor de Justiça e escritor