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Guerra estranha

A OMS prevê que, se nada for feito, ao longo desta década, o vício do cigarro levará mais de 10 milhões de pessoas à morte por ano

Pedro Valls Feu Rosa | 26/06/2023, 14:34 14:34 h | Atualizado em 26/06/2023, 14:34

Imagem ilustrativa da imagem Guerra estranha
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo |  Foto: Arquivo AT

Há não muito tempo li um relatório da ONU acerca do consumo de drogas ilícitas no mundo durante o ano de 2007. Concluiu-se que 208 milhões de pessoas, ou 4,8% da população adulta, usaram drogas ilícitas pelo menos uma vez naquele ano. 

Apurou-se, ainda, que aqueles usuários classificados como dependentes químicos correspondiam a 26 milhões de pessoas, ou 0,6% da população. E divulgou-se que 200 mil pessoas morreram no mundo durante o ano de 2007 em função do uso de drogas ilícitas. 

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Enquanto isso há poucos dias li que em nosso planeta morrem 3 milhões de pessoas a cada ano, algo em torno de seis por minuto, em decorrência do fumo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que, se nada for feito, ao longo desta década, o vício do cigarro levará mais de 10 milhões de pessoas à morte por ano. 

O pior é que o fumante mata também quem está próximo. E essas vítimas involuntárias não são poucas – segundo a OMS o tabagismo passivo é considerada a 3ª maior causa de morte evitável no mundo. 

Li que o problema do cigarro é tão grave que só nos EUA acarreta 420 mil mortes por ano, 50 vezes mais que o número de mortes causadas pelo uso de drogas ilegais.  De toda sorte segue firme a indústria do fumo, com 1,1 bilhão de clientes que garantem faturamento anual de US$ 285 bilhões. Só no Brasil o faturamento chega a US$ 4,5 bilhões e o número de clientes a 35 milhões. 

O cigarro não é a única droga legal largamente consumida. Há também o álcool, que igualmente causa dependência química. Segundo a OMS, cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo consomem bebidas alcoólicas e 76 milhões delas são viciadas. 

Há relação causal entre o álcool e mais de 60 tipos de doença. Consta que pelo menos 2,3 milhões de pessoas morrem por ano em função de problemas relacionados ao consumo de álcool, ou 3,7% da mortalidade mundial. Vamos a um dado chocante: entre 1986 e 1993, das 19 mil autópsias feitas no Brasil para mortes não naturais, 95% mostraram a existência de álcool no sangue. O alcoolismo está associado a 50% de todos os homicídios e mais de 30% dos suicídios. 

Apurou-se que em 50% das mortes causadas em acidentes de trânsito houve alcoolemia positiva para a vítima ou para o motorista. Demonstrou-se que 22% dos óbitos decorrentes de doenças cardiovasculares e 20% dos de câncer podem ser atribuídos ao álcool. 

Vamos ao preço disso: estimou-se que o custo total relacionado ao consumo nocivo de álcool chegou na casa dos US$ 655 bilhões, quase 2% do PIB mundial! Demonstrou-se que 4% das verbas destinadas à saúde em todo o mundo são dedicadas ao tratamento de doenças ligadas ao álcool – outras 4,1% dessas verbas são gastas em função de doenças relacionadas ao tabaco e 4% à hipertensão. 

Diante dos números relativos ao consumo de tabaco e de álcool salta aos olhos que há algo estranho na denominada “guerra às drogas”. Dizem alguns que isto se deve a motivos de ordem geopolítica. Recuso-me a acreditar. Não, a humanidade não pode ter chegado a um nível tão baixo!

Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo

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