Em nome Dele
Coluna foi publicada no domingo (05)
Dia desses, assistindo ao noticiário, recordei uma chocante exclamação de Blaise Pascal: “Nunca o ser humano pratica o mal tão completamente e com tanto prazer como quando o faz por convicção religiosa”.
Contemple as guerras da humanidade. Quase sempre lá estará, à frente das tropas em marcha, algum símbolo religioso contrastando com as piores maldades que o espírito humano consiga engendrar.
Lance um olhar sobre a multidão de refugiados que nos envergonha enquanto humanidade, roubados até da dignidade. São, quase sempre, meros infiéis aos olhos fundamentalistas de seus opressores.
Pense, por um átimo que seja, nos torturados. Perante a intolerância de alguns fariseus não são seres humanos - são daqueles pecadores que a Santa Inquisição tão bem definiu, indignos de misericórdia.
Passeie pelo mundo e veja mulheres sendo apedrejadas até a morte pelos motivos mais banais. Note que seus executores lançam cada pedra em oração.
Medite sobre seus inumeráveis semelhantes mortos da forma mais brutal possível porque, sendo impuros, estavam a pisar em solo sagrado.
Escute o lamento daqueles tantos que perderam seus empregos e meios de sustento porque rezavam para a divindade errada.
Calcule a dor das crianças cujo futuro foi comprometido - e até mesmo destruído - por conta da fé dos seus pais.
Imagine o imenso número de religiosos assassinados de forma bárbara por terem ousado pregar a palavra de outro credo.
Lamente o tempo perdido e o atraso causado por conta do obscurantismo que lançou sobre brilhantes inventores e cientistas a pecha de hereges, eliminando suas obras e até suas vidas.
Chore pelas obras maravilhosas no campo das artes e da literatura que a humanidade perdeu porque seus autores foram condenados à morte e ao esquecimento por motivos religiosos.
Ore pelas autoridades que, sob pesado sacrifício pessoal, tentaram proteger as vítimas de perseguições religiosas e acabaram elas mesmas perseguidas.
Dedique uma prece aos governantes que deram a vida tentando levar luz a povos sufocados pelo obscurantismo cruel que o extremismo religioso exala. Solidarize-se com as minorias que vivem oprimidas porque não compartilham da fé das maiorias.
Apiede-se dos apaixonados que não puderam simplesmente se amar por conta do fanatismo religioso dos que os rodeavam.
Reze pela alma dos tantos profissionais da imprensa que tombaram no cumprimento do dever de informar verdades consideradas incômodas por fanáticos religiosos.
Homenageie a memória dos escritores vítimas de perseguições atrozes por terem simplesmente externado uma opinião contrária à de alguns candidatos a salvo.
Finalmente, dirija seu olhar às milhões de pessoas comuns cujas vidas foram pioradas por conta de dolorosas restrições saídas das interpretações absurdas de alguns líderes religiosos.
Levanto-me. Vou à janela. Vejo o horror triunfando. Pergunto-me: como consegue? E subitamente recordo-me, com Francis Bacon, que “os crocodilos derramam lágrimas quando devoram suas vítimas. Eis aí sua sabedoria”.